A frase do título deste post é de autoria de Shakespeare, quando escreveu sobre a batalha de Bosworth (1485), batalha esta que decidiria que seria o governante da Inglaterra. O rei Ricardo III perdeu este confronto para o conde de Richmond, onde se diz que na pressa por ter um cavalo para ir à luta e a falta de metal confabularam para que seu corcel não estivesse pronto, faltando pregos em uma das ferraduras. Assim, por um prego, se perdeu a ferradura. Por uma ferradura, se perdeu um cavalo. Por um cavalo, se perdeu uma batalha. Por uma batalha se perdeu um reino, e mudou a história. Por um prego.
Por isso que sempre tenho uma caixinha de pregos em casa, nunca se sabe.
De cavalos, corcéis, palafréns...
Um dos fatores interessantes do período medieval, feudal, idade média ou dark ages como também é conhecido, é o relacionamento estreito entre o homem e o cavalo. Não no sentido afetuoso, como é considerado hoje para animais domésticos e de estimação, mas como ferramentas decisivas no trabalho, no transporte e na guerra.
Os cavalos foram usados muito antes para guerra por os mais variados povos, dos árabes aos próprios romanos, que formaram as cidades que posteriormente ficariam conhecidas no período medieval. Mas foi neste último período que a cavalaria deixou de ser apenas uma extensão avançada do exército, e se configurou também como um valor social em tempos de paz; surgia a ordem da cavalaria.
No começo, as diferentes ordens da cavalaria seguiam um regime militar, com orientação religiosa semelhante às dos monges, com a missão de expandir território e avançar sobre os "infiéis". Por volta do século 13, os cavaleiros vinham das famílias nobres, eram detentores de cavalos e armaduras, e ingressavam nas diferentes ordens através de cerimônias religiosas. Estes cavaleiros se regiam por um código de conduta de honra, serviço e entre outras coisas, não fazer nada que possa desagradar a uma dama ou donzela. Surge assim o tal do amor cortês.
Cerimônias aparte, os cavaleiros não passavam a vida combatendo como se imagina, eles passavam longos anos em treinamento, servindo aos seus mestres e se especializando nas suas habilidades com as diferentes armas. Com o tempo, surgiram as justas, onde os cavaleiros podiam demonstrar seus talentos e conquistar honra e por que não, o amor de uma donzela para a qual defendeu suas cores, usando no braço um lenço oferecido por ela.
Fazendo um Cavaleiro
Os cavaleiros pertenciam à classe nobre e eram parte de uma organização militar, mas não todos os soldados podiam virar cavaleiros. Eram rejeitados aqueles que não tinham o equipamento, a riqueza ou o status para participar da ordem, mas mesmo assim pessoas de classes mais pobres que demonstrassem valor, coragem e aptidão poderiam ganhar a classificação para entrar na ordem. Embora eram muito incomuns, existiram também ordens femininas formadas por amazonas.
O treino começava muito cedo, quando crianças filhos de nobres eram deixados como pagens nos estábulos, aprendendo como cuidar dos cavalos, arqueria e uso de armas. Por volta dos 10 anos já podiam ser designados para acompanhar um cavaleiro na função de escudeiro, mas isso geralmente acontecia aos 14. Eles cuidavam das armas e os cavalos de um cavaleiro, enquanto aprendiam como lutar e se comportar em um grupo organizado de cavaleiros. Também escutavam as histórias de Arthur, Perceval, Lancelot e tantos outros cavaleiros épicos, com a intenção de educar sobre os valores para ingressar à ordem.
Aos 21 anos, eles eram nomeados cavaleiros. Antigamente a tradição apenas era um tapinha no pescoço, seguido de uma curta palestra sobre se conduzir com honra, coragem, talento, e lealdade. Foi depois do século 11 que veio toda a cerimônia religiosa patrocinada pela igreja, onde garantiam um lugar no ceú para quem voltasse das cruzadas com honra. Com o tempo, esta cerimônia ficou cada vez mais elaborada, incluindo uma noite de vigilia na igreja vestindo roupas simples, mostrando humildade perante Deus. A espada era benzida pelo padre, que quando oferecida devia ser beijada no punho, que geralmente tinha referências religiosas.
Torcida Organizada
Houve uma infinidade de Ordens de Cavaleiros, cada uma estabelecida com uma ideologia. Teve as que enfatizavam mais sobre humildade, piedade, e outras que pregavam determinados valores de honra. Os nomes eram bem originais, como "Os Escudos Dourados", "Os Cavaleiros Angelicais", "O Falcão Branco", e por aí vai. Meu destaque vai para a "Ordem dos Cavaleiros Escravos da Virtuosidade e o Amor Fraterno". Como comentei acima, teve ordens de amazonas, mas infelizmente não localizei referências aos nomes; como fato histórico, uma delas defendeu Tortosa na Espanha da invasão moura em 1149.
Entre as mais conhecidas Ordens, entram a dos Hospitaleiros, os Templários e os Teutônicos.
Hospitaleiros, ou Cavaleiros de São João de Jerusalém, foi a primeira ordem de monges. Eles vestiam batina preta com cruzes em branco, moravam em um mosteiro que podia receber até 2000 convidados, e ainda com espaço para cuidar dos feridos e doentes. Hospitalidade era a premissa desta Ordem, e criaram várias organizações dedicadas a este fim em diversos países da Europa.
Os templários surgiram no século 12, com o fim de proteger os peregrinos. Adotaram as regras dos monges beneditinos, e suas vestimentas eram brancas com cruzes vermelhas. Eles se propagaram muito pela Europa, e no século 14 correu o rumor de corrupção e heresia entre seus membros, o que levou o rei Felipe da França a perseguir os participantes da Ordem, prendé-los em prisão e torturá-los para obter confissões, onde finalmente eram condenados à morte.
Os Cavaleiros Teutônicos compunham a terceira e última grande Ordem de cavaleiros. De origem germânica, tomavam os votos de pobreza, castidade e obediência, e vestiam branco com cruzes pretas. Participaram de várias guerras, conquistando território principalmente na Prússia, e foi também durante a guerra que esta ordem foi virtualmente aniquilada pelos Poloneses e Lituanos durante a batalha de Tannenberg, em 1410.
Heráldica (ou "meu escudo é beeeeeeem melhor que o seu...")
Os escudos de armas, as cores e combinações designavam a casa ou Ordem dos cavaleiros. Em uma época onde poucos conseguiam ler ou escrever, a heráldica (arte do desenho dos escudos, associada à linhagem ou árvore genealógica) distinguia os membros nobres da sociedade.
Inicialmente somente reis e membros altos da nobreza podiam portar um escudo de armas, mas com o tempo isto foi estendido aos cavaleiros.
Dentro da família, o filho mais velho herdava o escudo de armas da família, onde os filhos mais novos podiam efetuar pequenas alterações para suas próprias famílias. Ainda assim, existiam regras muito estritas para a divisão de um escudo na sua arte. Inicialmente, as famílias partiam de cores fixas, que podiam alterar-se ou misturar-se quando uma cidade jurava lealdade a um reino ou governante. Muitos escudos eram enfeitados com animais reais ou mitológicos, e o toque final dado por algumas famílias era um texto, considerado o "grito de guerra".
Obrigado pela leitura, até a semana que vem!
6 comentários:
Eu acho que os cavaleiros são a parte que eu mais admiro nas histórias medievais. Acho que eles têm uma certa imponência, tanto visual quando ideológica, ainda que nem todos os feitos possam ser bons. Acredito que fosse necessária muita disciplina para virar um cavaleiro, e eles eram parte decisiva nas batalhas. Também gosto muito dos brasões, e acho o máximo famílias que ainda tem brasões - uma prima minha um dia pintou um brasão da minha família, mas não sei se baseou-se em algo real ou se foi invenção. Meu sogro tem o brasão da família tatuado no braço, e esse eu sei que tem um pouquinho de história.
Uma dúvida que surgiu: mulheres plebéias também eram respeitadas pelos cavaleiros, como as damas e donzelas? Afinal em toda história medieval, depois da conquista de um povoado, o estupro rola solto...
Beijos!
Lendo o comentário da Renta fiquei curiosa também. Uma plebéia conseguia conquistar o coração de um cavaleiro ou eles só almejam moças com algum status social?
Eu gosto muito de brasões. Uma vez vi o que seri ao brasão da família Quiñónez, mas era num destes quiosques de shopping então não sei se dava confiar. Mas acho legal famílias que conservam seus brasões!
Beijos
eu gosto muito de saber as origens de frases que usamos no nosso cotidiano. e acho muito interessante a relação cavalo-homem para um cavaleiro. há uma regra clara de etiqueta. um verdadeiro cavaleiro sabe ser nobre em seu cavalo. acho muito interessante. bejios, pedrita
Mais! Mais! Mais! Foram cinco posts em um. Muita informação, amei!
Wally, estou achando que você pode responder umas perguntas pra mim...
Na era medieval, quem eram as pessoas que protegiam um rei ou duque e seu castelo? Tipo, o capitão da guarda tratava do "exército". O castelão cuidava do castelo. Que outras nomeações haviam? Por exemplo: quem auxiliava o senhor de um castelo a administrá-lo?
Tá difícil de conseguir essas informações na net, especialmente porque o meu ingrêis não dá pro gasto!
Didi
Oi Didi, seja bem-vinda ao blog! Parece que achou bastante coisa para ler por aqui, o que confirma minha teoria; meu blog é uma das poucas fontes de informação em português sobre lendas arturianas, e em conseqüência também é fonte de informação sobre assuntos do periodo medieval. Fico muito feliz quando vejo que meu esforço no blog reflete em resultados, quando as pessoas acham o que procuram.
Respondendo tua pergunta: como estamos em um continente que não teve período medieval (quer dizer, pelo menos não com castelos), a fonte fica nos países que ficaram conhecidos pelos seus castelos e fortalezas. A maior fonte de info neste caso é a Inglaterra; tem um site otimo, o castles-of-britain.com, e nele você encontrará duas áreas que podem te ajudar. O "Live in a castle", sobre o dia-a-dia dentro de um castelo, e o "medieval jobs", que conta sobre ofícios.
Como disse acima, não localizei nenhuma fonte que possa te ajudar em português, mas se tiver alguma dúvida mais específica é só comentar, todos os comentários chegam no meu e-mail.
Até!
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