Sobre blogs, buscas, passeios e mapas

Foi um dia Domingo, especificamente o 24 de Junho de 2007 que este blog começou a funcionar pra valer. Foram anos de leitura, pesquisas, estudo, e com a percepção cada vez mais nítida da falta de informações em português sobre as lendas arturianas. Foi assim que surgiu o Camelot or What, para calar o que enxerguei como uma necessidade e um bem que podia fazer ao transmitir aos outros meu conhecimento sobre o assunto. Não, não sou erudito, nem acadêmico respeitado no círculo de escritores, quanto menos um imortal da academia de letras. Sou apenas um curioso que decidiu fazer diferença e pelos resultados das buscas que vieram parar no blog, posso dizer que a missão foi cumprida com sucesso.

É verdade: já falei deste assunto, e de como virei um arturólogo. Aos poucos a quantidade de assuntos diminui, enquanto os acessos ao site e as buscas somente tem aumentado. Muita gente visita o blog, e muita gente encontra exatamente o que procura, salvo muitos cabeçudos que ainda entram no meu blog procurando por castelos da disney ou mesmo castelos infláveis. Pelo menos as buscas por sexo com anões pararam faz um tempo. Provavelmente encontraram o que buscavam em outro site...

Sim, estou em clima de férias, sem muito assunto. Falando em férias, vou encerrar mostrando uma preciosidade que descobrimos com Marion durante nossa passagem pela simpática cidade de Colonia, em Uruguai.

Esta cidade foi fundada por portugueses, e foi um dos tantos motivos de briga entre espanhóis e portugueses durante a colonização da América do Sul. Ambos colonizadores precisavam de portos para comércio, mas isto ficou bem complicado na indefinição das fronteiras. Cada um estudou alguma coisa (eu no meu país, vocês no de vocês) sobre os tratados que fizeram portugueses e espanhóis para divisão de terras, onde sobrou uma região meio que terra de ninguém, que após algumas lutas revolucionárias virou Uruguai. Então, Colonia del Sacramento não era outra coisa que um porto português, que descoberto pelos espanhóis como quebra de acordo, foi invadido e remodelado. É uma cidadezinha cheia de contrastes, com herança patrimonial tanto portuguesa quanto espanhola. Assim, os museus da cidade exibem peças raras de ambas colonias, e entre elas alguns mapas com os que delirei. Vou deixar que Marion conte as nossas aventuras em Colonia, e me manter apenas no lado histórico da coisa.

Somente vou mostrar uma foto do que provavelmente seja uma reprodução muito bem feita do original de um mapa de 1500, com uma precisão espantosa para a epoca sobre as costas européias. Cliquem na foto para ampliar, e observem quanto detalhe aparece na costa da Espanha, Itália, as ilhas inglesas e o norte do continente africano, evidenciando uma rota concorrida de comércio.



Encontramos no mesmo museu outros tantos mapas interessantíssimos, até pelos comentários escritos em português e espanhol antigo. Minha vantagem por conhecer espanhol digamos "de fábrica" ajudou muito na interpretação dos textos, especialmente pela mudança de uso de algumas palavras. Dica que posso dar para vocês: sempre prestem muita atenção aos mapas. Imaginem o esforço e o conhecimento que aparece nas siluetas, qual informação o cartógrafo quis passar. Os cartógrafos faziam trabalho de escritório, eles desenhavam conforme as cartas que os navegantes traziam para eles, o que dependia totalmente da percepção de cada navegante e da habilidade em passar seus conhecimentos. Lugares mais distantes são vagamente descritos, com erros bem engraçados. Nos mapas de 1600-1700 sobre a costa da América do Sul, aparecem todas as cidades que conhecemos do Nordeste de Brasil assim como também outros grandes portos, como o de Buenos Aires. Os erros aparecem na escala, como mostrar o delta do Rio de la Plata muito maior do que é. A precisão de rotas é bem curiosa, incluindo a Ilha dos Estados no fim da patagonia, e Fernando de Noronha no nordeste.

Sempre que visitarem algum museu histórico, dediquem um tempo a estudar os mapas, se aprende muita coisa.

Para vocês brincarem no final de semana, deixo um link contando a história da Europa através das mudanças no mapa; no site tem as instruções para navegação. Bom passeio!

Férias Lucrativas

Leitores assíduos e freqüentadores do blog da Marion sabem que estivemos viajando por aí. As viagens sempre são oportunidades de conhecer lugares, pessoas e aprender com a cultura dos outros, mas levando para o lado mais fútil da coisa, são oportunidades de comprar o que não conseguimos onde moramos ou andamos regularmente.

Apenas alguns meses atrás postei sobre a dificuldade de achar certas obras, e nesse sentido posso dizer que estas férias renderam algumas surpresas bem interessantes. Perdi a conta já de há quanto tempo estava procurando pelos livros da Marion Zimmer Bradley e seu ponto de vista feminino sobre o mundo arturiano; acho que fácil uns três anos de busca. Não que não encontram-se os livros para comprar, o problema era nunca encontrar o primeiro livro, nem para venda on-line. Cansei de me cadastrar em sites de livrarias online solicitando o aviso quando este primeiro livro, sempre presente nos catálogos porém inexistente como livro em si. Provavelmente o motivo disso seja a distância entre o primeiro livro e os outros, já que enquanto o primeiro é de 1979, os restantes são todos da década do 90.

Nesta viagem a BsAs visitamos a livraria "El Ateneo", e tenho certeza que minha Marion vai contar em detalhes no blog dela, por isso não vou adiantar mais. O fato é que enquanto passeávamos na livraria, lembramos da outra Marion e fui buscar um vendedor para perguntar pelos livros. Fui súper-híper bem atendido por uma vendedora que me indicou "na lata" onde estavam os livros, assim como a ordem deles e ainda se prontificou para plastificá-los para não estragar na viagem. Olha, nunca me atenderam assim em livraria nenhuma. Resumindo, posso dizer agora que entre a lista de livros que ocupam espaço e aguardam sua vez na prateleira arturiana conto com os três volumes a coleção de Avalon, e ainda em espanhol!


  • Las Nieblas de Avalon (1979)
  • La Casa del Bosque (1993)
  • La Dama de Avalon (1997)

Sim, eu sei que tem mais livros da série de Avalon, mas os outros foram finalizados ou mesmo escritos pela filha da autora. Para quem tiver curiosidade sobre os outros trabalhos, deixo este link.

Y Como Si Esto Fuera Poco...

Essa frase acima é um clássico dos vendedores ambulantes que perambulam ruidosamente nos trens, ônibus e ruas de Buenos Aires, para dar um tom promocional às bugigangas que tentam te empurrar. Mas foi bem isso o que lembrei ontem quando passeando no shopping aqui perto de casa entramos na Saraiva e dei de cara com um livro capa dura, com o cabo de uma espada como arte de capa, e um nome que não podia ignorar:


Três volumes do livro estavam dando sopa na prateleira (em diferentes estados de conservação), na seção de livros grandes de capa dura, aqueles livros que todos conhecemos com um monte de fotos sobre arquitetura, estátuas, prédios, flores, cubismo e por aí vai. Esses livros são conhecidos por serem caros, mas como não se paga por olhar foi o que fiz.
O primeiro destaque é para o autor, provavelmente um dos arturólogos mais respeitados no mundo académico, o senhor John Matthews (talvez vocês lembrem de um outro livrinho editado por ele).
Quando passamos as folhas do livro junto com a Marion, começamos a rir dentro da livraria. De fato, o livro tem toda a cara deste blog:


É como se alguém tivesse simplesmente decidido paginar apropriadamente os conteúdos que escrevo a quase um ano e fazer um livro. Textos sobre o Arthur histórico, o da lenda, Merlin, a távola, a busca do graal...


Era um festim para os olhos que não podia recusar. Enquanto isso, Marion levou um dos livros até os leitores de preço, não vou dizer quanto custou mas a pechincha foi tal que comprei dois, um para ficar aqui em casa e o outro para dar de presente, que aliás o casal de homenageados acaba de descobrir que vai ganhar assim que leu esta frase, por apreciar tanto quanto eu estas histórias.
Enfim, posso dizer que estas duas semanas foram bem lucrativas, afinal quem diria que ia fazer tão bons negócios literários... Agora vou pensar no post aniversário do blog.

Até!

A Pedra Artognou

Um incêndio nos promontórios de Tintagel mudou a história conhecida da arqueologia do período medieval conhecido como "a era das trevas". O fogo se espalhou pela grama, percorrendo o morro e suas formações de pedra, tirando a terra descobrindo velhas construções, mantidas a salvo da ação do clima durante séculos. Assim, apareceram construções que revelavam não apenas uma construção "provavelmente cristã", mas um importante e conhecido centro comercial, usado como ponto de intercâmbio de mercadorias entre navegantes, muito mais popular do que se imaginava.
Logicamente, isso trouxe os holofotes para Tintagel e suas construções. As escavações que começaram em 1990 foram revelando cada vez mais detalhes, novos achados, mas dessa vez quero falar de um em particular...

A-R-T.. ai meu Deus...


Imaginem o suor, o tédio de um escavador arqueológico. A escovinha na mão para não estragar nada. O cuidado meticuloso, a velocidade nula do progresso escavando com uma ferramenta tão simples. Vamos dar um nome ao nosso escavador, Kevin Brady. Vamos colocar uma data também, o 4 de Julho de 1998.
Estava Kevin escavando, pensando na sua vida, em como doíam seus joelhos por ficar abaixado. Na fome que estava dando. Na sensação do pó, o sabor de terra, misturado com o sal carregado no ar do vento do mar. E sem perceber, achou um pedacinho de pedra, com formato diferente. Começou a escavar com mais cuidado, descobrindo a pedra. O formato era bem diferente, e sua experiência lhe disse isso. Foi escavando devagar, com a paciência que vem do treino de anos.
Sim, era um achado. Aos poucos foi descobrindo mais, e percebeu o que parecia uma inscrição na pedra. Sim! Eram letras, ele sabia. Limpou um pouco mais, e foi descobrindo as letras. A... R... T... Não, não é possível... Ai meu Deus... O que foi que encontrei ?!?!?

Tirando o lado teatral, o nome, lugar e data são corretíssimos, e correspondem ao achado da pedra conhecida como Artognou. Para dar ênfase à descoberta, vamos dar um pouco de conteúdo histórico arturiano, na vertente que conhecemos por Geoffrey de Monmouth no seu "Historia Regum Britanniae" (história dos reis da Britania) de 1136.

Lembram do caso de Uther e Igraine? Uther se engraçou com a mulher de outro rei, mas ela como mulher fiel não quis nem saber de Uther. Assim, Merlin que sabia de tudo e conhecia o desígnio dos tempos, deu ao Uther a aparência do esposo de Igraine, e assim ele chegou aos aposentos dela e consumou sua paixão. Desse furtivo encontro, nasceu o jovem Arthur, que foi criado por Sir Ector sem saber das suas origens. O que não contei para vocês é que o lugar onde o ato foi consumado e o lugar onde Arthur nasceu foi exatamente no castelo de Tintagel. Agora entendem a expressão do Kevin. Eu ia ter um treco.

Pedra sobre pedra

A pedra, uma laje de 35 por 20 cm e com 1 cm de espessura foi provavelmente a tampa de uma drenagem, primeiro atribuída ao século 7 mas em base a outros estudos foi posteriormente datada como do século 6. A peça não está inteira, porém evidencia duas inscrições nítidas. A primeira, em letras garrafais, representa 4 caracteres do fim do período romano. A segunda, menor, menos profunda porém totalmente legível e a que chamou a atenção de todos. Trata-se de uma inscrição em latim, onde as 5 linhas podem ler-se assim:

+ PATER | COLIAVIFICIT | ARTOGNOU | COL[.] | FICIT

Que posteriormente foi lida assim:
+ PATER COLI AVI FICIT ARTOGNOU COL[I] FICIT


A tradução feita por Charles Thomas era "Artognou (PN), Pai de um descendente de Coll (PN), tem feito isto". Vamos combinar que não faz muito sentido, até porque na época as pessoas se explicavam mais, como por exemplo davam os motivos de uma determinada construção. Gordon Machan examinou a pedra novamente, e detectou um "N" faltando após PATER, o que muda completamente a leitura:

+ PATERN[-] COLIAVI FICIT ARTOGNOU COL[I] FICIT

E depois extendido por Machan para:
+ PATERN[OSTER] COLIAVI FICIT ARTOGNOU [MEMORIAM] COL[IAVI] FICIT

Agora lemos "Artognou ergueu este memorial de Colus, seu avô". Embora faça muito mais sentido e seja esta a expressão mais aceita hoje, tudo parte do pressuposto que as letras faltantes sejam as que Machan concluiu na sua dedução.

Robert M. Vermaat (de quem referenciei parte do texto acima) propõe outras letras como faltantes, por exemplo +PATERN[US] ou mesmo +PATERN[IUS]. Nesse caso, podemos transformar a frase até chegar nisso aqui:

+ PATERN[US FILIUS] COLIAVI FICIT ARTOGNOU [MEMORIAM] COL[IAVI] FICIT

Cuja tradução aproximada seria "Paternus filho de Colus ergueu isto em memória de Artognou".

Enfim, o fato é que este achado não foi capaz de revelar o significado de nenhum mistério sobre a existência de Arthur, mas tumultou todo o mundinho arqueológico pelo significado "semiótico" de uma pedra falando Artognov encontrada logo em Tintagel. E é claro, isto serviu para confirmar a teoria de que Tintagel foi uma cidade importante, ao ponto de ter monumentos ou memoriais em homenagem de pessoas importantes, lordes, barões, e quem sabe até reis...

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