Merlim? Que Merlim?

ATENÇÃO: este é um blog semanal, portanto não precisam ler tudo de uma vez, hehe.. meus posts serão geralmente longos, portanto aproveitem as divisões de assunto no post para distribuir a leitura durante a semana. Agora sim...

Quando pergunto para qualquer pessoa se sabe quem é o Merlim (aquele do Rei Artur, sabe?), todo mundo diz conhecer... O que é bem provável. O que as pessoas não devem conhecer ao certo é quantos Merlins há descritos por aí, e qual deles conhecem de fato. Cada autor colocou sua marca pessoal na descrição do feiticeiro mais badalado da Idade Media, e é disso que vamos conversar hoje. Sim, conversar, porque blog também é interativo!
Então, começando pela descrição mais popular de todas:

O Merlim Feiticeiro



Todo mundo lembra do Merlim como um grande mágico (não exatamente como no desenho acima), mas acho que ele não é conhecido por nenhuma mágica em particular. Na verdade, após pensarem uns segundos, todo mundo lembra exatamente do mesmo momento mágico: o jovem Artur tirando a espada da pedra.
A quem devemos a imagem de bruxo? Afinal, de onde veio toda essa lenda, se ninguém lembra das mágicas dele? É por isso que vamos revirar a biblioteca para contar um pouco melhor de onde vem e
sse bruxo famoso.
Material de consulta: "A História do Mago Merlin", de Dorothea e Friedrich Schlegel. No meio do tumulto da guerra Napoleónica, este simpático casal chega em Paris em 1803, e recopila em um único livro as melhores histórias románticas do periodo medieval. Dorothea era 9 anos mais velha do que seu "namorido", e precisava dele para publicar suas obras; uma mulher de espírito inquieto, que nessa época lutava pela emancipação dos direitos das mulheres, e era filha de um berlinense influente no senado.
O curioso desta coleção de histórias envolvendo o Mago Merlin (como vo
u chamá-lo daqui em diante), é que a lenda foi alimentada pelas mais diversas origens; as lendas nórdicas serviram de base para escritores alemães, que por sua vez tiveram seus textos traduzidos e enriquecidos por poetas italianos, caindo nas mãos de mais e mais pessoas que fizeram a lenda crescer ainda mais.
Não posso colocar aqui todas as histórias do livro, nem colocá-las por inteiro, mas vou me esforçar por resumir apenas alguns episódios.

A torre do Rei Vortigern

Vortigern era um homem poderoso e respeitado, que usurpou o trono dos filhos do rei Constans, (eram eles Moines, Uter e Pendragon). O primeiro deles e mais velho foi morto por ordens e intriga do próprio Vortigern, o que fez os tutores dos outros meninos fugirem para o estrangeiro. Vortigern fez muitos inimigos pelas suas decisões, mas especialmente por ter desposado uma mulher não-cristã (e eu tenho certeza que essa é mais um dos detalhes da lenda que devemos aos frades faze
ndo as traduções, porque não tem cabimento na trama).
Ciente do risco dos herdeiros do trono voltarem, Vortigern mandou fazer uma torre onde pudesse se refugiar em caso de uma emergência. O problema foi que a torre não parava em pé. Cada vez que a construção chegava em uma certa altura, o chão tremia e a torre simplesmente se desfazia em cacos.
Vortigern chamou toda classe de adivinhos para interpretar o motivo pelo qual a torre não vingava. Todos os adivinhos chegaram na mesma conclusão, porém ésta não tinha relação com a torre: eles morreriam por causa de um menino chamado Merlin. Foi assim que os adivinhos disseram para Vortigern que deveria derramar o sangue de um menino com as caracteristicas do Merlin para que a torre não caísse. Ô galera esperta... tirando o corpo fora.
Enfim, foram atrás do Merlin, que ao encontro com os guardas deu provas de não ser qualquer menino; imediatamente descreveu toda a cena que os adivinhos fizera
m para Vortigern, e disse que se poupassem a vida dele, ele daria os verdadeiros motivos para a torre cair. Os guardas ficaram espantados com o garoto, e levaram ele até o Vortigern.
Chegando lá, Merlin pronunciou que se estivesse errado, podiam fazer com ele o que os adivinhos quisessem, mas se estivesse certo, então o destino dos adivinhos seria o que desejaram para ele. Feito este acordo, Merlin falou:

Embaixo da torre (não muito fundo) passa um rio subterrâneo, e aos lados dele descansam dois dragões, um branco e o outro vermelho, onde um não pode ver o outro. Eles sustentam dois rochedos que acabam sustentando a torre, mas peso da torre é demais para eles. Por esse motivos se estremessem, o chão treme e a torre cai.

Ele disse também que os dragões sairiam para a superficie quando sentissem o ar, e lutariam entre si até a morte. O dragão branco era menor, mas venceu a batalha soltando labar
edas que queimaram o dragão vermelho. Tudo aconteceu como jovem Merlin disse.

Esta luta ainda se revelaria um simbolismo dos atos que estavam para acontecer, onde Vortigern (repressentado como o dragão vermelho, poderoso e rico) morreria queimado na sua própria torre pelos filhos do rei Constans, que foram repressentados pelo dragão branco.

Pendragon virou rei, e venceu muitas batalhas ao lado do seu irmão Uter, mas o destino quis em uma batalha onde cada um coordenou um exército próprio para cercar o inimigo, a batalha foi terrível, e mesmo vencendo, Pendragon não resistiu e tombou morto. Com isso, Uter assumiu o reino e o nome do seu irmão, virando o famoso Uterpendragon. O túmulo de Pendragon pode ser visto até hoje com as pedras que o Merlin trouxe sozinho da Irlanda, e que conhecemos como Stonehenge. Temos que enxergar a lenda na época que ela foi escrita; não tenho nenhuma dúvida de quanta curiosidade inspirava um monumento como Stonehenge na Idade Media, e fazer dele o túmulo de um rei lendário é uma desculpa ótima para poetas inspirados.

O Menino Merlin

Quantos de vocês sabiam antes de ler aqui que o Merlin era filho do capeta? Sério! Bom, tão sério quanto a lenda, claro. Merlin é filho de uma artimanha do Demon
io, que em inveja de Deus por ter um filho como Jesus para salvar a humanidade de seus pecados, ele mesmo quis ter um filho na terra para condenar a humanidade por toda a eternidade. Mais um aporte criativo de nossos amigos os frades e suas liberdades de tradução.
As coisas não sairam nem um pouco do jeito que o diabo amassou, e a jovem virgem grávida (a Maria do mal) era uma mulher muito piedosa, e a criança ganhou os poderes do diabo no corpo, mas a razão de Deus no coração e a mente. Assim, Merlin tinha poderes vindo de cima e de baixo da terra; o moleque era o bicho. Poder de profetizar, essa foi a principal dádiva de Deus, e a que mais aparece nas lendas.

O Merlin Malandro

Gosto muito da versão malandrona criada por
Cornwell sobre o Merlin, mas falo disso daqui a pouco. Ainda mantendo as historias coletadas pelo casal Schlegel, o conto da espada na pedra é uma das malandragens mais geniais de Merlin; era a maneira de fazer o jovem Artur ganhar o reino e ser respeitado por todos, mesmo sendo apenas um jovem desconhecido (até revelar suas origens de sangue como filho do rei Uter). Merlin passa a maior parte do tempo aparecendo sem ser chamado e sumindo quando todos precisam de conselho. Usa seus poderes para se fantasiar de velho, de criança, de mulher, tudo para direcionar os eventos do jeito que é interessante para ele. Mas, como malandro de novela, acabou ensinando o único feitiço que podia parar ele para uma mulher, que foi quem finalmente o aprisionou como eterno amante.

Bernard Cornwell criou um outro tipo de malandro para sua releitura da lenda arturiana; absolutamente todas as pessoas estão convencidas dos grandes poderes do Merlin, o Druida; não saem de casa se ele disser que a lua está ruim, ou o vento acordou virado. Ele é muito poderoso e influente, mas não passa de um esperto malandrão; todas as grandes mágicas dele se baseiam no medo e desconhecimento das pessoas. Os soldados na sua simplicidade e ignorância confiam cegamente nas "macumbas" do Merlin, que não passam de encenações. Tem algumas que são particularmente engraçadas, como a serie de sinais de que os deuses estavam do lado dele. Ele tem uma pupila, a Nimue, que aprendeu de cor cada uma de suas artimanhas, e dá shows de interpretação aumentando ainda mais a lenda. Crendices populares, a arte de fazer política até nos dias de hoje.

Merlin, a lenda

No fim das contas, quando surgiu Merlin? Tudo indica que a referência mais antiga vem dos escritos do bispo Geoffrey de Monmouth por volta do ano 1100. Ele foi o primeiro a introduzir um poderoso feiticeiro como conselheiro do Arthur, e capaz das grandes façanhas contadas nas histórias. Como disse ao principio, cada escritor colocou sua pitadinha de criatividade, o que fez a lenda se adaptar às epocas. O melhor exemplo disso é fazer dele um druida, um feiticeiro, ou um filho do ceú e do inferno ao mesmo tempo.

Gostaram? Ficou longo? Ficou curto? Querem saber mais? Só na semana que vem!

Na próxima semana: meu lar é meu castelo!

6 comentários:

Anônimo disse...

realmente, eu me choquei com a imagem do merlin no filme excalibur, achava sempre que era o bonzinho. vou ler aos poucos na semana e comento separadamente. meu amigo imaginário lê o seu blog mas nunca comenta. beijos, pedrita

Marion disse...

Amor, nem preciso dizer que para mim o Merlin sempre foi um bruxo. Aliás, o Merlin émencionado nos livros do Harry Potter como um grande bruxo. Tem até um "título" de qualificação de bruxos que tem o nome de Ordem de Merlin. Acho que para muitos ele é um bruxo bem poderoso!
Beijinhos !

Anônimo disse...

eu li há muitos anos as bruxas de avalon, mas lembro mesmo é da morgana. acho que tinha um merlin no desenho com a maga patalógica e a madame min. será que viajei? beijos, pedrita

Anônimo disse...

Eu não conhecia as duas primeiras "origens" de Merlin (a história da torre e do filho do diabo) e acho que elas destoam tanto do que é hoje o Merlin que a maioria das pessoas conhece! É interessante ver como as lendas de Arthur foram se modificando ao longo do tempo, e tenho a sensação de que a lenda original não teria a menor graça perto do que é agora. Mas voltando ao assunto, as origens de Merlin são interessantes e concordo com você, Bernard Cornwell fez o melhor Merlin que vi até hoje, aproveitando-se da ingenuidade das pessoas para mostrar suas "magias". Talvez por isso eu goste tanto dele, nada do que ele fazia era realmente sobrenatural, ele apenas sabia usar seus conhecimentos sem explicá-los aos outros.
Ah, Patry está certa, Merlin em Harry Potter é um nome bastante respeitado, em outro contexto, claro, mas a referência não poderia deixar de ser feita :)

Anônimo disse...

Eu acredito que o Bernard Cornwell criou um Merlim duvidoso. Em alguns momentos, temos certeza que ele está enganando o povo com as suas artimanhas, mas algumas vezes ele parece realmente ter poderes, como no caso quando eles se escondem dos soldados, e só conseguem sair pq milagrosamente uma névoa os encobriu.
E Merlim realmente acreditava que iria recuperar os poderes se os deuses voltassem para Britania!

Acho que o Merlim de Cornwell realmente tivesse alguns poderes, mas na maioria das vezes era mais fácil enganar o povo hehehe

Wally disse...

Gente, desculpem a falta de atenção esta semana, alguns de vocês já souberam que estou com sinusite e bastante febre, e somente agora abaixou um pouco. Obrigado a todos pela visita!
Pedrita, de fato a visão que temos do Merlin é de conselheiro real, mas é curioso como ele se encaixa em outras visões com perfeição. Do desenho com Madame Min nem ouvi falar, mas não seria estranho.
Patry, é de se esperar uma referência ao Merlin no Harry Potter; por enquanto só fico nos filmes, porque não consegui ler os livros :-)
Renata e Gabriel, o Cornwell criou um Merlin fascinante, e o que falar da Nimue então... achei otimo contar a historia de um Arthur do século V colocando todos os personagens que foram introduzidos na lenda muito depois, entre eles o Merlin, cuja primeira menção foi por volta de 1100 por Cretien de Troyes.