Como tantas outras histórias, esta acontece no primeiro dia do Ano Novo. O Rei Arthur juntou no grande salão sua corte para celebrar o grande festim. Na mesa estava Arthur, ao seu lado Guinevere. Do lado da rainha estava Gawain, e ao lado do rei estava Agravain; Agravain e Gawain são sobrinhos de Arthur, cavaleiros que carregam o mesmo sangue real do rei e que honram o sangue com sua valentia e conduta digna de um cavaleiro.
Era nessa época que o rei ouvia a todos os que se apresentassem na sua corte; ouvia as demandas, pedidos e exigências de homens e mulheres. Eram ouvidos pelo rei também os jogos e desafios de um cavaleiro para outro, que animavam ainda mais a festa do Ano Novo com justas e torneios.
O rei esperou para comer até que todos tivessem comida nos seus pratos; como rei ele não precisava fazer isso, mas tal era sua gentileza e boa vontade que honrava e tratava ao seu povo como iguais. Os pratos foram entrando ao som de trompetes, e eram tantos e de tanta boa aparência que os comensais se serviam mesmo antes dos pratos chegarem à mesa.Todos começaram a comer e beber junto com o rei, era uma grande festa.
Eis que de súbito, as portas do salão se abrem de par em par, e um cavaleiro enorme, o maior já visto pelos homens, avançou vagarosamente pelo salão, sem descer sequer da sua montura. Podia se dizer que fosse um meio-gigante, tal a sua altura e largura de ombros. Mas o mais impressionante e chamativo era sua cor verde. Verde era sua pele e suas roupas. Seu cabelo, longo e ondulado era verde, e chegava até os ombros, dando a ilusão de um capuz. Sua barba era também verde e enorme; como se um arbusto tivesse crescido no rosto do gigante. Suas roupas e seu manto tinham detalhes em fio de ouro, desenhos intrincados que destacavam as pedras preciosas no tecido, todas elas verdes. E seu extraordinário cavalo era verde, assim como a crina, que estava trançada com fios de ouro também. Até a sela era decorada com pedras preciosas.
O homem não levava armadura, mas carregava na sua mão um machado gigantesco, ricamente embelezado. O ferro do machado era verde, mas o brilho do gume era dourado. Na outra mão carregava um galho de visco (mistletoe, muérdago... aquele galhinho de Natal, sabe?), verde como nunca fora visto outro igual.
Ele chegou até a mesa onde o rei estava, sem cumprimentar ninguém, mas sob o olhar atônito de todos os presentes. E falou:
- Quem é o dono desta companhia?
As pessoas não conseguiam responder, tamanha a sua surpresa. Mas então o Rei Arthur levantou e diz:
- Caro amigo, seja bem-vindo a este festim. Eu sou Arthur, rei e dono desta companhia que aqui podeis ver. Sois meu convidado neste dia, honrá-nos com vossa presença e apreciai este festim que vos tens pela frente!
- Agradeço vossas gentis palavras, grande Rei. Vosso nome e o da vossa corte e conhecido até as terras mais distantes, assim como a honra e valentia dos cavaleiros que fazem parte da vossa companhia. Se for vontade de Deus, encontrarei aqui finalmente o que tão longamente procuro sem sorte; procuro pelo cavaleiro que honre meu desafio.
- Meu visitante e amigo, terás aqui quem responda a tua peleja, já que qualquer um dos meus cavaleiros será grato de honrar vossa demanda. Se é justar o que procuras, aqui encontrarás quem faça uma justa e boa batalha.
- Não é por batalha que vim até aqui, mas para propor um pequeno jogo. Eu coloco este meu machado como trofeú, como presente para quem aceitar este meu desafio. Eu desafio a quem tiver a coragem a pegar este machado e me acertar com ele um único golpe; eu não recuarei, mas receberei o ataque de bom grado. Com isso o machado já será dele. Mas existe apenas uma condição: Daqui a doze meses e um dia, no próximo primeiro dia do Ano Novo, eu cobrarei meu golpe. Quem se oferecer, deverá me encontrar nesse dia, e aceitar um único golpe que irei lançar contra ele.
Houve silêncio no salão, o que fez o cavaleiro verde berrar:
- Não há neste salão ninguém capaz de me acertar um único golpe? É tão falsa a coragem dos cavaleiros do Arthur?
Os presentes riram, soltaram gargalhadas. Arthur falou então:
- Meu amigo, seria covarde se aceita-se teu desafio. Não é de cavaleiros enfrentar-se sem defesa; sabei que um golpe de machado acabará com vossa vida.
- Se é assim meu rei, não há com que vos preocuparos, já que o desafio ficará saldado, e o machado será teu.
O rei então se levantou, e foi até o cavaleiro verde. Este desceu do seu cavalo, recolheu seu cabelo, balançou a barba, e entregou o machado nas mãos de Arthur. Nesse momento, Gawain se levantou também, e disse:
- Caro rei, faz pouco tempo que fui nomeado cavaleiro, e sou dos teus cavaleiros o menor. Peço-lhe me permitáis aceitar esta demanda no vosso lugar, porque a demanda é tão simples que eu não seria cavaleiro se não a tomasse para mim. Um rei como vós não merece uma prova tão insignificante.
Outros cavaleiros olharam para Gawain, aprovando sua atitude; o rei então concedeu o machado para Gawain, que chegou até o cavaleiro verde. O cavaleiro então disse para Gawain:
- Não esqueças da demanda. Não a tomes para si se não fores capaz de fazé-la.
O gigante ajoelhou-se, e deixou sua verde nuca ao descoberto. Gawain ergueu o machado, e desceu com tal força e presteza que cortou carne e osso, e o machado desceu até o chão. A cabeça verde rodou entre as pernas de quem estava perto; nesse momento o corpo do cavaleiro levantou-se, e agilmente recolheu a cabeça, segurando-a pelos cabelos. Subiu no cavalo e disse, enquanto o corpo a mostrava para que todos pudessem ouvir:
- Gawain, me encontrarás em um ano e um dia na capela verde; deves procurar pelo cavaleiro da capela, como sou conhecido. Estarei aguardando para saldar minha parte da demanda.
E assim, o corpo fez o cavalo virar, e saiu por onde veio; ninguém soube para que país ele partiu. Gawain entregou ao rei Arthur o machado, que ficou exposto para todos acreditarem na maravilha que acabaram de testemunhar; a seguir, voltaram para seus lugares na mesa, e o rei mandou servir a todos o dobro do que pedissem, para celebrar a proeza que ocorreu na sua corte.
A imagem acima pertence ao manuscrito original, o Cotton Nero, seção 94ab. Não que isso faça diferença, ainda é um spoiler. Ou como disse acima, "spoilááá".
Até aqui a primeira parte da história... Será que Gawain foi atrás, ou amarelou? Qual o shampoo do Cavaleiro Verde? Ninguém ficou com nojinho de ver um decapitado e todos seguiram comendo a churrascada? Hein? Estas e outras perguntas serão respondidas (ou não) no próximo episódio...
Era nessa época que o rei ouvia a todos os que se apresentassem na sua corte; ouvia as demandas, pedidos e exigências de homens e mulheres. Eram ouvidos pelo rei também os jogos e desafios de um cavaleiro para outro, que animavam ainda mais a festa do Ano Novo com justas e torneios.
O rei esperou para comer até que todos tivessem comida nos seus pratos; como rei ele não precisava fazer isso, mas tal era sua gentileza e boa vontade que honrava e tratava ao seu povo como iguais. Os pratos foram entrando ao som de trompetes, e eram tantos e de tanta boa aparência que os comensais se serviam mesmo antes dos pratos chegarem à mesa.Todos começaram a comer e beber junto com o rei, era uma grande festa.
Eis que de súbito, as portas do salão se abrem de par em par, e um cavaleiro enorme, o maior já visto pelos homens, avançou vagarosamente pelo salão, sem descer sequer da sua montura. Podia se dizer que fosse um meio-gigante, tal a sua altura e largura de ombros. Mas o mais impressionante e chamativo era sua cor verde. Verde era sua pele e suas roupas. Seu cabelo, longo e ondulado era verde, e chegava até os ombros, dando a ilusão de um capuz. Sua barba era também verde e enorme; como se um arbusto tivesse crescido no rosto do gigante. Suas roupas e seu manto tinham detalhes em fio de ouro, desenhos intrincados que destacavam as pedras preciosas no tecido, todas elas verdes. E seu extraordinário cavalo era verde, assim como a crina, que estava trançada com fios de ouro também. Até a sela era decorada com pedras preciosas.
O homem não levava armadura, mas carregava na sua mão um machado gigantesco, ricamente embelezado. O ferro do machado era verde, mas o brilho do gume era dourado. Na outra mão carregava um galho de visco (mistletoe, muérdago... aquele galhinho de Natal, sabe?), verde como nunca fora visto outro igual.
Ele chegou até a mesa onde o rei estava, sem cumprimentar ninguém, mas sob o olhar atônito de todos os presentes. E falou:
- Quem é o dono desta companhia?
As pessoas não conseguiam responder, tamanha a sua surpresa. Mas então o Rei Arthur levantou e diz:
- Caro amigo, seja bem-vindo a este festim. Eu sou Arthur, rei e dono desta companhia que aqui podeis ver. Sois meu convidado neste dia, honrá-nos com vossa presença e apreciai este festim que vos tens pela frente!
- Agradeço vossas gentis palavras, grande Rei. Vosso nome e o da vossa corte e conhecido até as terras mais distantes, assim como a honra e valentia dos cavaleiros que fazem parte da vossa companhia. Se for vontade de Deus, encontrarei aqui finalmente o que tão longamente procuro sem sorte; procuro pelo cavaleiro que honre meu desafio.
- Meu visitante e amigo, terás aqui quem responda a tua peleja, já que qualquer um dos meus cavaleiros será grato de honrar vossa demanda. Se é justar o que procuras, aqui encontrarás quem faça uma justa e boa batalha.
- Não é por batalha que vim até aqui, mas para propor um pequeno jogo. Eu coloco este meu machado como trofeú, como presente para quem aceitar este meu desafio. Eu desafio a quem tiver a coragem a pegar este machado e me acertar com ele um único golpe; eu não recuarei, mas receberei o ataque de bom grado. Com isso o machado já será dele. Mas existe apenas uma condição: Daqui a doze meses e um dia, no próximo primeiro dia do Ano Novo, eu cobrarei meu golpe. Quem se oferecer, deverá me encontrar nesse dia, e aceitar um único golpe que irei lançar contra ele.
Houve silêncio no salão, o que fez o cavaleiro verde berrar:
- Não há neste salão ninguém capaz de me acertar um único golpe? É tão falsa a coragem dos cavaleiros do Arthur?
Os presentes riram, soltaram gargalhadas. Arthur falou então:
- Meu amigo, seria covarde se aceita-se teu desafio. Não é de cavaleiros enfrentar-se sem defesa; sabei que um golpe de machado acabará com vossa vida.
- Se é assim meu rei, não há com que vos preocuparos, já que o desafio ficará saldado, e o machado será teu.
O rei então se levantou, e foi até o cavaleiro verde. Este desceu do seu cavalo, recolheu seu cabelo, balançou a barba, e entregou o machado nas mãos de Arthur. Nesse momento, Gawain se levantou também, e disse:
- Caro rei, faz pouco tempo que fui nomeado cavaleiro, e sou dos teus cavaleiros o menor. Peço-lhe me permitáis aceitar esta demanda no vosso lugar, porque a demanda é tão simples que eu não seria cavaleiro se não a tomasse para mim. Um rei como vós não merece uma prova tão insignificante.
Outros cavaleiros olharam para Gawain, aprovando sua atitude; o rei então concedeu o machado para Gawain, que chegou até o cavaleiro verde. O cavaleiro então disse para Gawain:
- Não esqueças da demanda. Não a tomes para si se não fores capaz de fazé-la.
O gigante ajoelhou-se, e deixou sua verde nuca ao descoberto. Gawain ergueu o machado, e desceu com tal força e presteza que cortou carne e osso, e o machado desceu até o chão. A cabeça verde rodou entre as pernas de quem estava perto; nesse momento o corpo do cavaleiro levantou-se, e agilmente recolheu a cabeça, segurando-a pelos cabelos. Subiu no cavalo e disse, enquanto o corpo a mostrava para que todos pudessem ouvir:
- Gawain, me encontrarás em um ano e um dia na capela verde; deves procurar pelo cavaleiro da capela, como sou conhecido. Estarei aguardando para saldar minha parte da demanda.
E assim, o corpo fez o cavalo virar, e saiu por onde veio; ninguém soube para que país ele partiu. Gawain entregou ao rei Arthur o machado, que ficou exposto para todos acreditarem na maravilha que acabaram de testemunhar; a seguir, voltaram para seus lugares na mesa, e o rei mandou servir a todos o dobro do que pedissem, para celebrar a proeza que ocorreu na sua corte.
A imagem acima pertence ao manuscrito original, o Cotton Nero, seção 94ab. Não que isso faça diferença, ainda é um spoiler. Ou como disse acima, "spoilááá".
Até aqui a primeira parte da história... Será que Gawain foi atrás, ou amarelou? Qual o shampoo do Cavaleiro Verde? Ninguém ficou com nojinho de ver um decapitado e todos seguiram comendo a churrascada? Hein? Estas e outras perguntas serão respondidas (ou não) no próximo episódio...
Até a semana que vem!
Um comentário:
Cavaleiro porreta hein?? E o sangue dele, era verde? E eu fiquei me perguntando se ainda teve gente com apetite depois da cena fantasmagórica, hehehe... Tô curiosa pra saber o final da história!!
Ah, agora que reparei, meu blog tá linkado duas vezes aí do lado ;)
Beijos!
Postar um comentário