Avalon e outras ilhas

Eu, na minha inocência e ignorância, achei que seria um assunto fácil, ou pelo menos tão trabalhoso como a média dos posts que requerem pesquisa; me enganei. Posso dizer que não encontrei praticamente nada do que queria, mas em compensação encontrei outras coisas interessantes para compartilhar.
Se fosse preguiçoso e cara de pau, podia pegar o que consta no wikipedia, copiar aqui e dizer pronto, o post está feito, mas aí qual seria a graça? O que aprendi no final? Vou levar cada um de vocês por uma pesquisa, e contar umas coisas das quais nunca tinha ouvido.

Passeando no tempo

Aos que acompanham meu blog e o da Marion, sabem que estou lendo o Brumas no momento, e foi este livro que me trouxe a curiosidade pelo assunto das ilhas. Vou colocar o trechinho que me chamou a atenção. Igraine, esposa de Gorlois, tem um sonho curioso, estranho e molhado com outro homem, o Uther. Todos sabemos que na lenda arturiana, Uther fica com Igraine, união da qual nasce Arthur. Mas vamos voltar ao sonho de Igraine. Ela sonha com uma terra distante, ela vestindo como sacerdotisa, e Uther no sonho do lado dela, como sacerdote. Eis um trecho do dialogo entre eles:

Por um momento, Igraine, esposa de Gorlois, perguntou-se por que esse homem a chamaria pelo nome da sua filha ("Morgana") mas no mesmo instante em que a pergunta se formou no seu pensamento, soube que Morgana não era um nome, mas o título de uma sacerdotisa, significando apenas "mulher vinda do mar", numa religião que até mesmo Merlim da Bretanha teria considerado lenda e a sombra de uma lenda. Ouviu-se dizer, sem vontade:
- Também eu julguei impossível que Lyonesse, Ahtarrah e Ruta caíssem e desaparecessem como se jamais tivessem existido. Acredita ser verdade que os Deuses estão castigando a terra da Atlântida pelos seus pecados?
- Não acredito ser assim que os Deuses agem - respondeu o homem ao seu lado. - A terra treme no grande oceano além do oceano que conhecemos, e embora o povo da Atlântida falasse de terras perdidas de Mu e Hy-Brasil, ainda assim sei que no oceano maior, além do sol poente, a terra treme, e ilhas aparecem e desaparecem(...).

Lyonesse? Mu? Hy-Brasil? Epa epa, tem muita coisa nova aqui... Nada que um google esperto não consiga achar. Mas me enganei, em parte. Um comentário um pouco fora do tom antes de continuar: o Dark Age of Camelot tem terras com estes nomes, onde já joguei várias vezes. Cada vez que descubro alguma coisa assim fico encantado com o cuidado dos editores do jogo em transpor com tanto cuidado detalhes tão obscuros. Realmente referenciam as lendas antigas no jogo...

Hy-Braaasiiiillll, lará lará lará laraaaaááá...

As antigas lendas celtas remetem a existência de uma ilha, chamada de Hy-Brasil, e que seria o correspondente ao paraíso. Esta ilha estaria oculta à vista dos homens, e apenas os escolhidos poderiam encontrá-la. Esta ilha foi reportada várias vezes em mapas reais, em lugares diferentes, até o século 18. A partir daí a cartografia evoluiu ao ponto de transformar a ilha em lenda de vez, e sumir literalmente do mapa.
Para minha surpresa, tanto se fala em ilhas que na verdade tudo acaba caindo na mesma visão, e somente muda a interpretação conforme quem conta a história; ao me remontar a textos mais antigos, encontrei que na verdade Avalon, a terra das fadas na lenda celta, virou a ilha das sacerdotisas e os druidas, mais em contato com a natureza (o que faz todo sentido, e deu o nome à fada Morgana).
Esta mesma Avalon, não seria outra ilha que a mencionada em culturas anteriores com outros nomes; afinal, parece que Avalon é na verdade Hy-Brasil, e antes disso a própria Atlântida.
A arte de buscar referências cruzadas via nomes me levou até dois livros praticamente opostos. O primeiro deles, com o singelo nome de "Atlantis, Alien Visitation, and Genetic Manipulation" (Michael Tsarion, 2002) é uma viagem ao começo dos tempos onde os alienígenas (pasmem) habitavam nosso planeta, que tinha outros continentes e depois de cataclismas e outras coisas afins e convenientes fizeram que a Atlântida sumisse e com ela o povo-serpente, o que fez os oceanos mudarem de lugar e encher a bacia do mediterrâneo (WHAT???). Bom, se menciono este "curioso" livro é apenas pelo fato de contar algumas referências nas lendas antigas sobre ilhas além do mar, que não existiriam mais. Ah, se tivesse tido internet na época, né?
O segundo livro é de respeito, e não consegui desgrudar dele, mesmo lendo em pdf. Este livro tem por nome "The Fairy-Faith in Celtic Countries" (W.Y.Evans Wentz, 1911) e pelo ano do livro este autor não tinha internet. Ele fez um trabalho excepcional de pesquisa, e fico até com vergonha de usar um trabalho tão minucioso como referência, sem poder trabalhar no mesmo nível. Todo o texto consta com as referências da origem das afirmações, e cada uma mais original do que a outra, como por exemplo "folio 15, manuscrito sem título sobre God Midir, biblioteca nacional da Irlanda". Não tem comparação, mas ao mesmo tempo agradeço viver nos dias de hoje onde é possível pesquisar em sites como o scribd.

O velho, velho, veeeelho Arthur

Isto caberia em outro post, é sério. A lenda celta é conhecida por ser a origem ou inspiração das lendas arturianas, onde muitas vezes o heróico Arthur se inspira nas memórias contadas de Cuchulainn, Deus celta encarnado.
Sim, sei que parece viagem, mas vou me esforçar por passar a idéia.
A lenda arturiana tem suas primeiras aparições em livros considerados a matéria da Bretanha, tais como o Historia Britonum de Nennius por volta do ano 800, ou posteriormente o Historia Regum Britanniae de Geoffrey de Monmouth de 1136. Mas, acontece que estas aparições não falam de um "outro" Arthur, ao menos não diretamente.
Existe uma analogia constante nas lendas arturianas e especialemente na figura mítica do Arthur, onde os Bretões enxergaram poderes praticamente divinos, tornando-o uma deidade. Posteriormente veio a visão do Arthur como um rei humano, ou talvez humanizado, como se fosse um semi-deus, que veio para instruir seus coterrâneos e liderá-los. Tanto é assim, que como em tantas outras culturas, os seguidores de Arthur não eram outros que os cavaleiros da Távola Redonda... Começa a fazer sentido? Continuo.
Os herois celtas não eram outra coisa que deuses encarnados, cujo objetivo era exatamente instruir e orientar os membros da sua raça no plano terreno; isto é válido também em outras culturas antigas. O Cuchulainn dos celtas não é diferente do Osiris dos egipcios, e até deste lado do oceano encontramos deuses feito homens para liderar o povo nas culturas azteca e peruana.
Querem mais comparações?

Ai meus deuses...

Arthur nasceu da intervenção "divina" de Merlim, para que Uther e Igraine se encontrarem. Foi um nascimento abençoado pelos deuses, até porque Igraine vinha de Avalon, o que vamos entender a partir de agora como a terra dos deuses, ou o Paraíso em uma cultura mais tradicional.
A própria Guinevere aparece na lenda com o nome original de Gwenhwyvar, que se formos decompor surgem duas palavras: Gwenn, a palavra bretã para "branco", e hwyvar, que embora não seja conhecida no dialeto bretão tem conexão direta com a palavra irlandesa "siabhradh", que quer dizer fada, ou fantasma, nas variantes siabhra, siabrae e siabur. Traduzindo, nossa conhecida Guinevere se revela a fada branca, o que fecha a conexão com o mundo dos deuses.
Quem lembra da história do cavaleiro da charrete? Então, mais uma conexão interessante. Guinevere foi sequestrada por Meleagant, e levada para uma terra distante, que como diz o texto "onde nenhum dos que entrava poderia sair". Curiosamente, a tradição irlandesa (celta) tem uma historia muuuuito parecida onde uma tal de fada branca é levada para o Hades (a terra dos mortos, o inferno, etc..), onde esta fada tinha o nome de Etain e seu esposo do outro mundo era Midir. Voltando às comparações, em ambas as histórias aparecem pontes para separar as terras. No romance de Chrétien, eram a ponte sob as águas (usada por Gawain) e a ponte da espada, usada por Lancelot. No Tylwyth Teg, as pontes separavam o mundo conhecido do desconhecido (neste caso o outro mundo), e surge assim nossa analogia. Uma nota curiosa nesse sentido é que muitas religiões acreditam na idéia de definir a passagem entre a vida e a morte como a passagem por uma ponte estreita, inclusive no Alcorão temos a menção de uma ponte fina como um fio de cabelo, e comparando mais uma vez é o equivalente à ponte da espada, uma ponte perigosa fina como o gume de uma espada e longa como duas lanças.
Como se isso não bastasse, quem resgata a rainha Guinevere é Lancelot, e convenhamos, quem seria mais idôneo do que ele? Essa idoneidade surge do fato que quando ainda era um bebê, Lancelot foi adotado por Vivian, e criado como filho próprio. Vivian, não é outra que a Senhora do Lago, o que fez dessa criança o Lancelot do Lago (Lancelot do Lac). Se lembramos agora que Avalon ficava oculta nas brumas, e o reino de Avalon era regido por Vivian, encontramos a conexão que faltava; Lancelot, criado em Avalon, rodeado das fadas da ilha, e com liberdade para entrar e sair de Avalon a qualquer momento, conhecendo o caminho que separa Avalon do mundo conhecido; era ele o único mortal capaz de entrar e sair do paraíso, e o único que poderia resgatar Guinevere do Hades, da terra que ninguém volta, e trazé-la de novo para a terra dos mortais.
A última comparação acontece no episódio final, na batalha de monte Baddon, onde Arthur é ferido mortalmente por Mordred. Arthur entrega sua espada, que é devolvida para a dama das águas, que não é outra que a dama do lago. Na cultura celta, as armas são devolvidas aos deuses em sinal de oferenda ao lançá-las na bacia dos lagos, para que os deuses possam recolhé-las no outro mundo. Feito isso, Arthur é levado para uma barca, onde navega para Avalon (o paraíso?) acompanhado da sua meia-irmã Morgana, a fada, encerrando o ciclo com seu reencontro com o mundo divino, que começou na sua concepção.

Heavy stuff...

5 comentários:

Anônimo disse...

Esse final eu tenho que ler de novo pra captar direitinho :) Quer dizer então que as ilhas da lenda não são fáceis de encontrar por aí? Engraçado pensar que Avalon e Atlântida seriam a mesma ilha. Eu nunca faria essa conexão sozinha, claaaro. E gostei da comparação com a lenda celta. No fim, as histórias nada mais são do que farinha do mesmo saco, né? Vão se adaptando conforme a cultura, mas no fundo tem o mesmo princípio.
Beijos!

Unknown disse...

fadadocarvalho@gmail.com

Wm primeiro lugar gostaria de pontuar que gostei muito da proposta do blog e do texto - parabésn! Traz informações curiosas, interessantes, que são ótimo ponto de partida para que todos os interessados no tema possam partir para algo profundo. Achei muito pertinente comentar o livro dos Alienígenas, que eu não li, mas provavelmente é uma boa reflexão sobre o imaginário contemporâneo sobre as lendas da antiguidade.

Eu mesma pesquiso esses temas - lendas celtas, círculos arturianos e mais precisamente fadas (fada não é só aquela mulher de asas, é muito mais, tenha cuidado), por isso tenho algumas críticas quanto ao texto. Parece que no final tudo vira uma sadala em que Avalon, Atlântida, Hi Brasil seriam a mesma coisa e uma espécie de paraíso para os Celtas. Isso é uma simplificação complicada, já que os conceitos de moral, outras vidas, espírito, divindades e morte são muito diferentes para os celtas do que são para os cristãos. Tenho certeza de que você sabe disso. O que estou propondo é que não se faça como os romanos fizeram em seus relatos históricos, dizendo que Lugh é Apolo por terem simbologias parecidas. Lugh NÃO É APOLO. Sãi povos e culturas diferentes, crenças diferentes... enfim, essa foi a única coisa que me incomodou, e talvez seja apenas uma questão de nomenclatura. Avalon não é um paraíso, não no jeito cristão. ^^ Gostaria muito de que vc entrasse em contato para debatermos o assunto.

Wally disse...

@ Renata:
No fim, leu de novo? Entendeu?

@ Carmen: Valeu MESMO pelo teu comentário! Obrigado pela leitura e pela paciência.
Só para usufruir meu direito de réplica, aviso que tudo o que é perguntas, debates, críticas e demais ficam restritas ao blog; o blog é público, assim como os comentários. Todo mundo lê, todo mundo opina!
1) É um blog pessoal, não sou nem me considero erudito em nenhum assunto.
2) Me diga ONDE PELAMORDEDEUS eu disse que fada tem assa. Isso é coisa da sininho da Disney..
3) Quem chamou Avalon de paraiso foi M.Z. Bradley no Brumas, não eu.. nada contra nem a favor de religião nenhuma, mas acho que o direito de comparar existe desde sempre, né?
4) Embora o blog seja pessoal, tenho muito respeito pelo que faço, e especialmente pelos meus leitores, declarados ou não. Minhas referências sempre são mencionadas, e se procurar, poderá ver que embora uso muito a internet como recurso de busca, não entra nessa lista o Wikipedia, nem blogs que não coloquem referências. Não invento o que escrevo, mas sou criativo sim, e isso se reflete no tom da escrita, não no conteúdo.
6) Vamos debater sim! Mas somente se for por aqui. The more, the merrier. E volte sempre!

Júlia disse...

Puxa muito legal...Eu comecei a ler As Brumas de Avalon (terminei o livro 1 ainda),e o que me chamou a atenção,foi a misturada de varias crenças e culturas,exemplo Atlântida.No principio não entendi muito bem a conexão,e fiquei um pouco perdida.Mas você tem razão,Igraine descendente da linhagem real de Avalon(o paraíso,Atlântida) e Uther um Pendragon(também um sacerdote de Atlântida em outra vida segundo o livro).Assim nasce Arthur,de linhagem "divina" que unificaria e salvaria a Bretanha e seu povo. Basicamente isso não?! De qualquer forma um abraço e parabéns pelo blog!

Wally disse...

@Júlia, obrigado pelos elogios! Que bom que gostou do post e do blog. Tem bastante material, afinal são alguns anos escrevendo quase semanalmente; com certeza vai encontrar outros posts interessantes.

Sobre sua pergunta: honestamente, não tenho condição de afirmar que tenha razão, mas foi a dedução que fiz ao juntar os pontos. Foi o que fez mais sentido pra mim: pensando na autora do Brumas como autora de ficção, faz sentido beber de várias fontes para compor os personagens. A Morgana do Brumas, o tom que deu à Avalon e as descrições aqui e ali levam a pensar nessa linha.

Obrigado de novo pela leitura!