Natal? Em Junho?

Na curta vida que o blog leva até agora, já me ocorreu repetidas vezes (como é de se esperar) de não saber sobre o que falar. Em outras ocasiões, o assunto vem fácil por causa da data, mas nem sempre é fácil de explorar, ou de escrever sem ser repetitivo. Em 2007 ignorei completamente o Natal no blog, apenas cumprimentando os leitores; já em 2008 comentei sobre o Natal medieval. Aí disse para mim mesmo, "E este ano? Do que falo no Natal?"

Queima do tronco de Natal... Costume europeu, não me olhem assim!!

Como nota introdutória, vale dizer que esta semana estive afastado do computador em geral, aproveitando uma semana das férias para viajar e espairecer as ideias. Foi muito bacana, porque longe das distrações tive um bom tempo para ler, e estou próximo do fim do primeiro livro das crônicas saxônicas do Bernard Cornwell. "O Último Reino" é o nome do livro, e nos conta da queda dos reinos saxões durante a invasão dinamarquesa em 871 d.C., através dos olhos de um jovem saxão de nome Uthred. Foi lendo este livro que lembrei de um fato; antes do Natal, se celebrava o Yule. E o que seria o Yule, exatamente?

Yule é a festividade ou Sabbat que corresponde ao solstício de inverno, que no hemisfério sul (a.k.a. "o nosso" na América Latina) corresponde ao dia 21 de Junho. Logicamente, para os nórdicos esta data era o 21 de Dezembro.

O Yule era para todos os fins práticos o Natal pagão. Ele ocorria exatamente na noite mais longa do ano, ou o dia com menos horas de sol.

Eu imagino a confusão na cabeça das pessoas ao falarem de Natal, do Deus Cristão, dizer que era razão para comemorar o nascimento de uma criança, e ao mesmo tempo proibir as festas pagãs. Provavelmente no meio dessa confusão que surgiram concessões, permitindo aos pagãos fazer determinadas práticas associadas ao Yule "como se fossem" do Natal. Assim, coisas como decorar a árvore, o visco e algumas outras foram adotadas para a nova celebração.

Pesquisei algumas fontes na internet com resultados variados sobre as origens do Yule, e o fator comum parece ser a origem germânica da coisa (ou seja, nórdica em geral). Vi também algumas menções à Saturnália, a festa de inverno dos Romanos. O que parece ser fato mesmo é que a festa do Natal existia antes do Natal, e o cristianismo pegou carona na data para associar as festas ao nascimento de Cristo na Terra. Seja como for, isso tudo me trouxe algumas lembranças de sermões que escutei quando ainda era criança; de como deveríamos entrar na festa de Natal com a nossa alma recatada, pensando que o que estamos celebrando era o nascimento do nosso Salvador, e não era uma festa de comida e bebedeira. Concordei com essa visão, como toda criança nova concordaria com o que os adultos dizem. Mas hoje minha impressão é outra, provavelmente por ter crescido, pela experiência de vida, por ser o adulto esta vez.

Acho que devemos aproveitar as oportunidades que temos de celebrar. A festa de Natal é um feriado, e quem não trabalha nesse dia está no seu direito de comemorar, de comer e beber, de ser feliz ao lado de pessoas que goste. O Yule era uma festa de quase duas semanas, e nós temos dois dias, o Natal e a virada do Ano. Então, independente às nossas religiões e crenças, acho que temos o direito de comemorar sim. Assim como comemoramos aniversários, formaturas, conquistas de bens, casamentos, nascimentos... Temos que festejar sim.

Para encerrar o post Yuleico de hoje, vou deixar uma canja do livro que estou lendo, onde Uthred reflexiona sobre esta data. Olha só:

Passei muitos Natais na corte dos saxões do oeste. O Natal é o Yule com religião, e os saxões do oeste conseguiram estragar a festa do meio do inverno com monges cantando, padres arengando e sermões violentamente longos. Yule deveria ser uma comemoração e um consolo, um momento de calor e alegria no auge do inverno, uma época de comer porque a gente sabe que estão chegando tempos magros em que a comida será escassa e o gelo trancará a terra. É uma ocasião de ficar feliz, se embebedar, comportar-se de modo irresponsável e acordar na manhã seguinte imaginando se algum dia irá se sentir bem de novo, mas o saxões do oeste entregaram a festa aos padres, que a tornaram alegre como um funeral. Nunca entendi realmente por que as pessoas acham que a religião tem lugar na festa do meio do inverno, mas, claro, naquela época os dinamarqueses se lembravam dos seus deuses e faziam sacrifícios a eles, mas também acreditavam que Odin, Tor e os outros deuses estavam festejando em Asgard e não tinham desejo de estragar as festas em Midgard, o nosso mundo. Isso parece sensato, mas aprendi que a maioria dos cristãos sente uma suspeita temerosa com relação à alegria, e Yule oferecia alegria demais para o gosto deles. Algumas pessoas em Wessex sabiam como comemorá-lo, e eu sempre fiz o máximo possível, mas se Alfredo estivesse por perto você podia ter certeza de que teríamos que jejuar, rezar e nos arrependermos durante todos os 12 dias de Natal.

Felizmente nosso Natal é mais animado que o da corte de Wessex do século 9, mas a mensagem que quero deixar é essa. Comemorem, se divirtam, respeitem uns aos outros e boas festas para todos!!
Até a semana que vem!

Nota: Mais curiosidades sobre o Natal? Vejam o livro "Christmas: Its Origin and Associations" de W.F. Dawson de 1902, de graça no projeto Gutenberg.

5 comentários:

Mara Sop disse...

Lembrando que o Natal é festejado no dia 25 de dezembro por causa de um costume pagão, quer era o de comemorar o dia de Mitra. A data foi associada ao nascimento de Jesus justamente porque a sociedade romana não se adaptaria a não festejar essa data pagã.

Adorei o texto e me deu mais vontade ainda de ler essa saga!

Wally disse...

@ Mara: Totalmente certo!! É isso mesmo, teve muitas coisas adaptadas dos costumes pagãos para o Natal, e entre eles até a data, que originalmente era a data de Mitra, no meio da semana do solsticio do inverno. Deve ser muito curioso ver uma cerimônia dessas hoje...

Anônimo disse...

Demorei mas tô aqui!

Queria ver um tio meu lendo esse seu post "pagão" hehehe... é, a gente é educado acreditando em coisas que às vezes nem nossos educadores conhecem a origem. O que não tira nem um pouco a validade da festa em questão, certo?

Ah, as Crônicas são ótimas. Devorei os 4 antes da Bia nascer :) Pena que quando o quinto livro sair, não lembrarei mais de nada, hahaha...

Beijos!

daniel disse...

muito interessante e muito bonito o blog. eu vou seguir estudando portugues que por agora me vai muito bem . viva o METALLL!!!!! ajajajajja
nos vemos!!!

Wally disse...

Aí "sobriño", tá indo muito bem!! jaja!