Este post é continuação de um post anterior, portanto, se você não viu o que está rolando, veja o post anterior neste link.
Viajar de ônibus foi repetir a experiência de me maravilhar com o interior da Inglaterra. As plantações, as árvores, os bosques. Verdes e marrons diferentes, brilhantes mesmo sob as nuvens de um dia que ameaçava fechar. Mas, o tempo ficou firme, e em alguns momentos o sol aparecia para esquentar e iluminar mais ainda a paisagem, deixando esses novos horizontes com um visual maravilhoso. Andamos um pouco pela estrada, e chegamos em Old Sarum (a velha Salisbury).
Nesta paisagem, podem notar um montículo plano, gigantesco. Ao olhar a paisagem em volta, práticamente plana, fica evidente que alguém mexeu neste terreno para criar esse pico e construir no seu topo. Neste sitio ficava um grande castelo, majestuoso, que com o tempo caiu em desuso, foi ruindo e posteriormente destruido para aproveitar o material para construção. Apenas alguns vestígios sobraram para identificar os salões e torres; restou para nossa geração as fundações do castelo e alguns degraus das escadas. Ainda assim, é um lugar incrível para visitar, para quem sente curiosidade ou mesmo paixão pela história. É a oportunidade de se sentir em um verdadeiro sitio arqueologico.
Não me detive em Old Sarum, já que era o plano para a viagem de volta. Stonehenge me esperava. Na medida que a estrada avança, a ansiedade aumenta. Cresce dentro da gente, e aos poucos o resto das pessoas a nossa volta, e mesmo o ônibus onde estava acabam sumindo. É só você, e a paisagem. Alguns montículos de terra aparecem à distância, revelando que estamos perto. Esses montículos, encontrados por todo o interior, são os restos mortais de pessoas importantes ou ricas que se foram há milhares de anos. São montículos funerários, onde as pessoas eram enterradas junto a alguns pertences, que provavelmente iriam com eles para o outro mundo. Com o tempo, estes montículos evoluíram em pequenas construções de pedra abovedadas sob o solo, e mais tarde ainda nos mausoléus que conhecemos hoje.
Finalmente, no horizonte, aparece o círculo de pedras. E não vi mais nada em volta. Ao longe, à direita da foto.
No local há um estacionamento para ônibus e carros particulares; o ônibus nos deixou lá, Por volta das 14:40. A cada hora, o ônibus estaria lá de novo para seguir sua rota. Posso dizer que uma hora é o tempo exato para ficar em Stonehenge.É o tempo certo para visitar, olhar, admirar, tirar fotos, ouvir o guia de áudio, e ainda comprar algumas coisinhas na loja. Quem sabe, na minha próxima visita, fique mais tempo para poder escrever diretamente de lá, no meio desse áura diferente que emana do local.
Desci do ônibus, me informei sobre a volta, e desci pela rampa até a entrada. Passei a catraca, me ofereceram o guia de áudio (incluso no ingresso), e segui por outra rampa que passa pela lateral da lojinha. Neste ponto, não dá para ver nada ainda; é como um túnel, que serve até para criar o clima antes do primeiro contato. As paredes do túnel mostram ilustrações da construção de Stonehenge; homens puxando grossas cordas, arrastando as pedras sobre um trenô. Subo os últimos degraus, e no fim de uma curta caminhada, rodeada de visitantes, está Stonehenge. Cheguei.
Fui andando devagar, parando em todos os pontos onde uma plaquinha com um número indicava uma mensagem no guia de áudio. Ouvi os textos, absorvendo quanta informação podia a cada instante. Tudo o que estudei, tudo o que aprendi sobre Stonehenge estava lá.
Antes do cículo de pedras, existiram outros círculos no local; primeiro uma vala circular, depois um círculo de troncos de árvore, e mais tarde um pequeno círculo de pedras, que finalmente foi substituido por Stonehenge. Chegando mais perto do círculo, percebo uma ondulação no terreno. Olho nas laterais da ondulação, e acompanho com a vista a vala onde estava em pé, circundando as pedras. Achei o primeiro círculo.
Chego ainda mais perto do círculo, e a minha admiração cresce ainda mais. A primeira vista, Stonehenge me pareceu menor do que imaginava, mas lentamente foi crescendo. Há alguma coisa muito estranha, muito diferente nesse local; é uma sensação indescritível. Enquanto escrevo, a lembrança me arrepia. Lentamente, o círculo revela sua grandiosidade, e quando queremos perceber, já estamos encantados.
Um vento constante e violento batia sobre o local. Pensei no clima, nos milênios de ventos ainda mais fortes do que estava nesse momento, chuva, neve e degelo batendo no monumento. E estava lá, boa parte dele ainda em pé. Arquitetônicamente, Stonehenge é uma referência. Nele foram aplicadas técnicas de modelagem de madeira, onde as pedras verticais foram lixadas até ficarem lisas, e levemente mais finas no topo de cada coluna para dar a ilusão ótica de que são retas e paralelas para quem está dentro do círculo. Cada pedra foi colocada no local fazendo um buraco, arrastando a pedra até cair neste buraco, finalmente erguendo a pedra com cordas e preenchendo o buraco até imobilizar a pedra no lugar. Para subir os dintéis, arrastaram as pedras em curtos trajetos de ida e volta, colocando peso nas pontas e preenchendo o meio, fazendo uma gangorra onde o meio era cada vez mais alto. Ainda no topo de cada coluna modelaram pinos na pedra, que encaixavam em buracos excavados nos dintéis para alinhar e fixar os mesmos no topo. Os dintéis tinham suas laterais lixadas para ficarem menores no interior do círculo, e assim encaixar sem folga umas nas outras, fixando ainda mais a estrutura. Na foto abaixo aparece bem nítido um dos pinos no topo da coluna sem dintel.
Stonehenge era uma estrutura bem complexa. Dez grandes colunas formavam cinco dintéis independentes, circundando uma pedra deitada. Em volta destas colunas mais altas, pequenas pedras formavam mais um círculo (na foto acima, ao meio, um pouco a direita, apoiada na pedra central). Finalmente, o círculo de pedras fechado com dintéis no topo. Fora do círculo, quatro grandes pedras (das quais hoje sobraram somente duas) provavelmente serviram como guia durante a construção, garantindo que o corredor de entrada e o centro ficassem alinhados com os soltícios do verão e do inverno. Na foto abaixo, o corredor que levava ao círculo de pedras.
A cada excavação, novas descobertas aparecem. Detalhes sobre a estrutura, novos círculos, materiais, vestígios de outras excavações da época da construção de Stonehenge. As maiores pedras foram trazidas de muito longe, e é dificílimo imaginar como foi transportar essas pedras por terrenos sem estradas, apenas com o esforço de pessoas e animais. Stonehenge passou por várias fases: na primeira delas, era somente um barranco com a vala em volta, e buracos formando um círculo. A segunda fase é onde entraram as "bluestones", transportadas por quase 400 km desde o País de Gales, pesando por volta de quatro toneladas cada uma. Na terceira fase formou-se o "henge", transportando pedras de aproximadamente 50 toneladas por 40 km. Enquanto as pedras da segunda fase foram transportadas usando balsas, as pedras da terceira fase eram pesadas demais para qualquer balsa, e foram arrastadas com trenôs e cordas. Fazendo algumas contas, precisariam mais de 400 homens para puxar as pedras, e mais 100 homens só para mover os troncos do trenô. Na quarta e última fase, as bluestones da segunda fase foram removidas, e colocadas na posição que permanecem até hoje.
Stonehenge ficou abandonado durante muito tempo. Seu status de patrimônio histórico é recente, e hoje é responsabilidade do National Heritage cuidar deste patrimônio. No periodo medieval, os reis autorizaram as pessoas a pegar pedras de Stonehenge e usá-las em outras construções. Nos começos do século passado, era possível alugar um martelo nas fazendas próximas para quebrar as pedras e levar um pedaço como "lembrancinha". Mesmo com toda a depredação Stonehenge sobrevive, e continuará nos intrigando por gerações. É muito pouco o que sabemos do local, e sem registros históricos escritos, somente podemos adivinhar os propósitos deste monumento. É um mistério sem solução, e como tal, abre a imaginação para o que quisermos pensar. Stonehenge tem um propósito diferente para cada um de nós, um encanto particular e único.
Próximo post: Old Sarum.
2 comentários:
Acho que boa parte do fascínio é o mistério que traz. Talvez a história real de Stonehenge nem seja lá tão fascinante, e embora a gente tenha muita curiosidade em conhecê-la, é muito gostoso ficar só imaginando como tudo pode ter acontecido. Deve ter sido o máximo ver isso de perto!
Beijos!
@Rê, uma das coisas que mais me espantou de estar lá, foi como foi fácil chegar. Nunca tinha parado para pensar que seria tão organizado, tão tranquilo fazer esse percurso por conta própria.
Já o fato de visitar as pedras, e estar tão perto delas é uma sensação arrebatadora. Emocionante. Como dizem alguns, respirando o mesmo ar dos antigos.
Obrigado pelo comentário!
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