Este post é continuação de um post anterior, portanto, se você não viu o que está rolando, veja o post anterior neste link.
Difícil falar depois de passar por Stonehenge, mas já dei um bom tempo com esse post no ar, e está na hora de retornar depois deste hiato (não sabem o que é hiato? Google.).
O onibus estava no mesmo ponto onde desembarcamos, depois de fazer mais uma vez seu percurso circular de uma hora; assim, foi só mostrar o ticket para continuar a viagem. Andamos por estradas muito estreitas, o que ficava ainda mais surpreendente desde um ónibus de dois andares. Cheguei a filmar um pouquinho, para levar comigo uma pequena amostra desse interior da Inglaterra muito mais colorido do que imaginava.
As verdes planícies, as árvores e bosques ao longe, o horizonte. Finalmente, chegamos em Old Sarum, onde para meu espanto desci sozinho. Acho que o vento desanimou as pessoas, ou a curiosidade deles não foi tanta como para visitar o local. Quem sabe, alguns até tenham visitado várias vezes, e não encontraram motivos. O fato é que desci em Old Sarum, e tinha o castelo só para mim.
Old Sarum já foi um grande castelo, erguido sobre um morro, com direito a fosso, ponte levadiça, bandeirinhas, torres e tudo o mais. Era a fundação de Salisbury, situado no local perfeito para se defender. Fiquei olhando por longo tempo as encostas, me perguntando qual seria a visão de dentro do castelo no meio de um ataque, de um sítio. Ao mesmo tempo, depois e já de outro ángulo, olhava para o morro pensando na visão terrível de invadir essa mole.
Essas imagens estão na minha imaginação, porque não sobrou nada do castelo. Nada mesmo.
Old Sarum foi um castelo gigantesco, um verdadeiro monstruo medieval, com paredes impenetráveis, e no local perfeito para ser defendido. Com o tempo, este castelo foi caindo no desuso, e como toda casa que não é usada, começou a ruir. Um dos seus maiores salões desabou, primeiro pelas longarinas do teto, e depois, uma a uma, as paredes mais novas. Este salão atendeu apenas uma festa real, feito para receber os convidados de um grande festim, mas a realidade é que o castelo não era mais usado. Foi abandonado, e anos depois, por decreto do rei, demolido para reaproveitar a pedra em outras construções. Todas as paredes, sem exceção, foram demolidas, virando pedra que hoje dorme em outras paredes. Os pisos, os enfeites, tudo o que podia encontrar uso, foi embora, junto com o que já fora um majestuoso castelo.
Mas isto não é uma visão triste das coisas. É a realidade de um povo que não tinha de onde tirar material para construção, assim como hoje, nas grandes cidades, as casas deixam lugar aos prédios. É a evolução lógica das coisas, e temos que enxergar dessa forma. Não só a Inglaterra, mas toda a Europa abriga muitos castelos ainda, esperando nossa visita.
Por mais pedra que seja necessária e mais vontade que as pessoas tenham colocado em extraí-la, as fundações do castelo resistiram aos esforços e estão hoje à vista, preservadas pelo National Heritage. A história do local é bem antiga: este local foi ocupando na Era de Ferro, no período neolítico, uns 4000 ou 3000 anos a.C., onde foram excavadas as valas gigantescas e levantados os morros. Posteriormente, os romanos ocuparam a região, e com a saída deles, foi a vez dos reis saxônicos fortificarem a região. Por volta de 1069, William o Conquistador (no período normando) herdou o castelo dos saxões, que gostou do local e ordenou a construção de um castelo. Este castelo virou o local de governo normando para todo o condado. Em 1075, a igreja chegou no concenso da construção de uma catedral no local, que ficou no nível externo, entre a primeira e a segunda vala. A catedral foi concluída em 1092, e destruida parcialmente por uma tormenta apenas 5 dias depois. O clima na região era terrível, e assim os bispos pediram autorização ao Papa para retornar à cidade de Salisbury. Com a autorização (em 1219), a catedral de Old Sarum foi abandonada, e com a partida da igreja, o resto foi embora também. A população era cada vez menor, até que finalmente em 1519 o rei Henry VIII ordenou a demolição. O local ficou completamente abandonado, e eventualmente foi redescoberto.
Assim, o que podemos encontrar em Old Sarum? As fundações de um monstro.
Vista do patio principal. À esquerda, ficava a grande torre, entrando pela escada no meio da foto. |
O National Heritage fez um excelente trabalho criando rampas de acesso e colocando placas com informação riquíssima sobre cada local. É com a ajuda dessas placas que, a cada passo, começamos a enxergar o castelo entre as ruínas. Vemos cada parede erguendo na nossa frente, e com ela as cores, e subitamente as pessoas aparecem. Na nossa mente, o castelo é populado, com pessoas carregando coisas, vendendo e comprando na feira no grande pátio. Estendemos a vista pela encosta, e as propriedades pulam na nossa vista, como surgindo de um longo tempo esquecido. Surgem do solo, criando ruelas movimentadas. Piscamos, e tudo some, e estamos sozinhos de novo. Para quem nunca esteve em um sítio arqueológico, é uma experiência inesquecível.
Ovelhas cagonas na encosta |
É uma pena que os vídeos que gravei tenham ficado com tanto barulho do vento, ao ponto de não ouvir a minha própria voz. A idéia deste post era um pouco diferente; queria mostrar para vocês como é chegar no local, passando por pequenas portas de madeira que se confundem com propriedade privada, no meio a um monte de ovelhas e suas caquinhas por tudo quanto é grama. É propriedade rural, é a vida como ela é mesmo. O entusiasmo dos vídeos se perdeu no vento, ficando apenas a imagem tremida de uma estrada feita a pé. Mas, ainda temos as fotos! Assim, posso mostrar um pouco de tudo o que contei até agora.
Para dar um pouco as dimensões do local, vejam só as dimensões da vala interior. Essa foto mostra não apenas a capacidade de abrir buracos no neolítico, mas também como uma árvore pode ser experta. Depois vou tocar nesse assunto das árvores expertas de novo.Talvez onde eu estou não dá para perceber exatamente o tamanho da vala, mas cabe dizer que essa árvore deve ter uns 20 metros de altura. Olhando desde onde eu estava, a vala descia práticamente meio quarteirão até o fundo.
Esta foto ilustra as fundações da catedral, olhando desde o castelo, próximo à torre principal. Depois, andei por fora do castelo, olhando o local mais de perto.
Neste ponto, as placas de orientação são cruciais, para entendermos o que estamos olhando. Vejam só como é gráfico, uma vez que descobrimos o que estamos olhando:
Nada como uma explicação. Simplesmente, as colunas, o teto, as abóvedas, os arcos e repentinamente as pessoas começam a aparecer na nossa imaginação. Piscamos, e voltamos ao nosso tempo.
Enquanto caminhava para ir embora, me encontrei com as árvores que aparecem no fundo da foto acima, e depois com outra árvore na entrada e Old Sarum.
Podem clicar nas fotos para ver maior, e honestamente, não sei se era o vento, o tamanho, a forma, ou apenas o fato de estar lá, mas acho que não eram apenas árvores. Antes que esses Ents decidissem acordar na minha frente, foi embora, assobiando baixinho. Provavelmente, a árvore da encosta estava ou subindo, ou descendo...
Embarquei no bus, voltei para a estação, e deixei na minha lista a missão de voltar com tempo de visitar a catedral de Salisbury, junto com as ruas antigas de uma cidade que tem muito para contar. Peguei o trem de volta, escrevi um pouco, e dormi plácida e merecidamente, com a sensação de missão cumprida.
No próximo post, vou me obrigar a contar sobre o British Museum, e com isso encerro minhas aventuras nas lendárias terras do Arthur. Afinal, tenho que voltar ao padrão do blog e trazer algumas lendas até aqui, não acham?
Até o próximo post!
2 comentários:
Fantástico!
Muito surreal tentar imaginar tudo funcionando e cheio de gente. Dá uma tristezinha não poder voltar no tempo pra ver de perto, além dessa sensação meio apertada de que tudo acaba, não importa a grandiosidade que possa ter tido um dia... Adorei o post!
Beijos!
@Rê, que bom que gostou! Não nego que deu um certo trabalho explicar a sensação de visitar um sitio arqueológico. É muito alheio à nossa realidade, e mesmo assim é inevitável pensar em como era o lugar onde se está pisando. Olhar em volta até o horizonte, e imaginar não só as construções mas também as pessoas, os animais, os barulhos e cheiros de um lugar populado antigamente. É uma experiência que vai ficar comigo por um bom tempo.
Obrigado pelo comentário!
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