Guinevere. A Rainha Dada.

De como Guinevere deu sua flor para outro jardineiro, e do que aconteceu depois.

Beleza, Lancelot se estropeou inteiro para atravessar a ponte da espada, mas finalmente chegou do outro lado, nas terras do rei Bandemagus e seu filho Meleagant, raptor da rainha.

Ilustração - Lancelot atravessa a ponte da espada, e encontra Meleagant. A rainha Guinevere e o rei Bandemagus observam tudo do alto da torre.

Graças ao Bandemagus, a rainha ficou reclusa sozinha, apenas com os serviçais que iam e vinham. O rei sabia que o filho dele cobiçava a rainha, e para evitar males maiores manteve a rainha afastada do Meleagant. Com isso manteve a honra da rainha, a do filho, e não tirou dele o direito que tinha sobre a justa que ganhou.

Conforme contei antes, quem vencesse o cavaleiro (Meleagant) em justa disputa, poderia reaver a rainha e levar consigo prisioneiros e exilados; foi assim então que apenas sararam as feridas de Lancelot, foi promovida a disputa.

Bandemagus e a rainha Guinevere observaram esta disputa desde o alto de uma torre. Lancelot estava perdendo, até que uma donzela perguntou para a rainha qual o nome do cavaleiro que por ela lutava, e revelou seu nome, Lancelot do Lago. Foi assim que a donzela chamou a atenção de Lancelot, pedindo para olhar para a torre; assim que viu a rainha, suas forças voltaram, e lutou com afinco ao ponto do rei Bandemagus pedir para a rainha pela vida do seu filho, implorando para ela dizer ao Lancelot que parasse com a luta, pois levava grande vantagem.

Meleagant se considerou injustiçado com isso, alegando que podia vencer Lancelot (mesmo quando não tinha mais forças nem condição de lutar). A decisão foi que Lancelot ganhou a justa, mas deveriam combater novamente em um ano para decidir de fato quem tinha ganho. Ele poderia levar a rainha e todos os exilados, e a nova luta aconteceria desta vez em Camelot.

Após a justa, Lancelot foi levado para ver a rainha e o senescal Kai, que também estava preso por lá, após a tentativa falha de resgatar a rainha ainda em Camelot. Mas as coisas não correram bem, e a rainha mandou ele embora. Não quis falar com ele.

Esta conduta veio pelo fato de que ele tinha se desonrado ao subir na charrete. É, tudo volta.

Kai estava coberto em chagas, ainda da luta com Meleagant. Suas chagas nunca saravam, porque embora ele recebesse os melhores cuidados do rei, Meleagant se encarregava de mandar outros médicos com ungüentos mortais. Assim, enquanto melhorava durante o dia, desfalecia pela noite.

Como Lancelot não conseguiu levar a rainha (apesar de ter vencido a justa), ele partiu para procurar Sir Gawain, que vinha para as terras de Bandemagus com o mesmo propósito, porém por outro caminho, o da ponte sob-a-agua.

Ele foi embora desarmado, acompanhado por muitas pessoas que agora eram livres. Mas as pessoas daquela terra que souberam como Lancelot venceu a batalha, acharam que fariam bem em prender Lancelot e levá-lo prisioneiro para agradar ao rei. Assim fizeram, sem encontrar resistência.

Antes deles chegarem ao castelo chegou a notícia de que Lancelot tinha morrido nesse ataque, e com isso Guinevere sentiu-se culpada. Ela se arrependeu de ter rejeitado dessa forma Lancelot, por quem na verdade caía de amores.

Finalmente Lancelot chega ao castelo, é liberto, e com toda a situação aclarada, é chamado novamente para ver sua rainha. Eles conversam longamente, se perdoaram pelas ofensas. Eles querem falar de outros assuntos, mas não tem como rolar um clima nesse momento. Então, ela disse baixinho para ir até a janela dela à noite, para falarem assim, ela dentro e ele fora. Ele não poderia entrar no quarto dela, porque o senescal Kai fica neste quarto também, embora sempre desmaiado e sangrando suas chagas, e porque uma grade enorme protegia a janela de invasores.

Obvio que Lancelot não ia se conformar com ficar olhando. Entortou a grade, mas se machucou ao entrar. Ele entrou no quarto, e na cama da rainha rolou. E rolou. E rolou. Macho-Alfa é assim mesmo.

Ilustração - Lancelot pula a cerca.

Kai nem ficou sabendo, na verdade ninguém soube. Lancelot saiu pela mesma janela, e colocou a grade do jeito que estava, para ninguém suspeitar. O problema é que as feridas de Lancelot ao entortar a grade fizeram suas mãos sangrar, e manchou os alvos lençóis da cama da rainha. Ela, por sua vez, nem percebeu no escuro.

Meleagant foi visitar a rainha nessa manhã, e ao ver os lençóis sujos de sangue fresco, acusou Kai de deitar com a rainha, e desonrá-la. Ela se defende, disse que sangrou pelo nariz, na verdade fala umas preciosidades que vale a pena colocar por completo, enquanto se defende na cama ensangüentada na frente de Bandemagus e Meleagant:

- Minha senhora - diz o rei -, se meu filho disse a verdade, a cousa vai muito mal! - Deus - responde ela -, quem jamais contou mentira tão horrível, mesmo que nascida de um sonho mau! Mas o senescal é bastante leal e cortês para merecer confiança. Quanto a mim, não sou mulher perdida que se vende ou dá a quem deseja seu corpo. Na verdade, Kai não poderia querer de mim tal loucura. E jamais meu coração a quis nem irá querer.

Lindo. Me engana que eu gosto. Até por isso o título do post.

Enfim, acusações vão e voltam, até que Kai diz que vai defender sua honra e a da rainha em luta armada, e que Deus não ia deixar ele ganhar se estivesse mentindo.
A rainha mandou chamar em segredo o Lancelot, para lutar no lugar do Kai, defender a honra dele e da rainha, pois o Kai não tinha condição de lutar.

Nova luta, Lancelot ganha. Ele parte para buscar Gawain, que já era para ter chegado. Ele parte acompanhado de um séquito, mas acaba se separando do grupo chegando perto da ponte por culpa de quem? Mais um anão. Acho que o Chretien tinha cisma com eles.
Lancelot é capturado por Meleagant, e fica preso, escondido.
O séquito que ia com ele achou Gawain, e decidiram ir até a rainha para contar o sumisso de Lancelot. No dia seguinte, chega uma carta como que escrita por Lancelot dizendo que ia para Camelot, e que esperava todos por lá.

Assim a rainha, Kai, Gawain e todos os exilados partiram das terras do rei Bandemagus, e foram para Camelot. Chegando lá, Arthur parabeniza Gawain por ter resgatado a rainha, mas Gawain diz que essa honra corresponde a Lancelot. Ao perguntarem por Lancelot e perceber que ele nunca voltou para Camelot, perceberam que a carta era mais uma mentira.

Nesse meio tempo (enquanto a rainha esteve fora do reino) as donzelas sem esposo organizaram um torneio, para escolherem justamente para que cavaleiros iriam entregar seu amor (e o resto, claro).

A rainha foi assistir este torneio, e Lancelot deu um jeito de se livrar temporariamente da prisão onde estava (na verdade enrolou a mulher do Meleagant).
Lancelot usou armaduras e armas emprestadas, para não ser reconhecido. Ele estava dando uma sova em todos. Nada parecia poder parar o cavaleiro misterioso.
A rainha pediu para uma das suas donzelas chegar até o cavaleiro, e pedir para ele em nome da rainha para "fazer o pior possível". E como todo tolo apaixonado (afinal todos fomos assim alguma vez) parou de lutar, e começou a fazer um sem fim de burradas. Com isso confirmou para a rainha não somente que de fato era Lancelot, como seu amor devoto por ela.
Esta cena se repete um par de vezes, mas no último dia, a rainha mandou sua donzela pedindo para lutar da melhor maneira. E ele o fez. Bateu todo mundo. E bateu em retirada, ao terminar todas as justas, porque prometeu para a mulher de Meleagant voltar para sua prisão, como foi combinado.
Todas as donzelas concordaram e brigaram entre si querendo o cavaleiro desconhecido, porque nenhum outro poderia defender a honra delas como ele fez. Mas, com a partida dele, as donzelas ficaram somente na vontade, e nenhuma delas casou. Ficou tudo para o ano que vem. Sacanagem do Lancelot essa, que não comeu nem deixou ninguém comer, mas não vem ao caso, até porque foi sem querer.

Quando Meleagant soube da escapada do Lancelot, ficou furioso, e percebeu que não podia confiar a prisão de Lancelot para sua mulher. Sendo assim, Mandou construir uma torre e uma ilha afastada, trancou Lancelot nela, vedou todas as entradas, e somente deixou uma janela por onde passavam suprimentos.

Acreditam que Chretien terminou a historia aqui?!?!?

Dizem que ele foi censurado pelo adulterio da rainha, ficou desencantado com a historia e por isso passou o texto para as mãos de alguém bem menos talentoso, o clérigo Geoffroy de Lagny. Ele apenas umas linhas resumiu o que Chretien passou para ele sobre o fim da historia do cavaleiro da charrete:

Meleagant vai para Camelot, para exigir sua justa, um ano após a primeira como combinado. Ele pede para que Lancelot apareça e não se esconda (sabendo muito bem que estava preso na torre). A irmã de Meleagant acha Lancelot, o tira da torre, e cuida dele no seu próprio castelo. Leva ele até Camelot, e a justa acontece. Arthur e Guinevere assistem à luta, combate em que Meleagant perde com sua cabeça cortada, e ninguém sente dor alguma por ele. Fim.

O conto termina. A lenda não.

É, assim mesmo. Por isso que gosto de Chrétien... sabia enrolar, ou em outros termos, nos deu uma poesía fantástica, onde nasceu Lancelot, representado até hoje como o cavaleiro ideal, com apenas um único pecado.

Ilustração - Lancelot e Guinevere aprendem Karatê

Sabiam que foi por isso que ele não viu o graal em toda sua glória? Isto aparece em outro livro, A morte do rei Arthur. Ele chegou onde Galahad viu o graal, mas seu direito de vê-lo foi tirado por causa do adultério. Ele viu o graal através de um véu, e sua busca do graal acabou dessa forma. Foi isto que levou ele a desistir da vida que levava, e tentar garantir seu lugar no ceú virando monge em um mosteiro, o mesmo que encontrou nas terras a caminho do castelo de Bandemagus, onde já tinha seu túmulo reservado, o mais grandioso, mas que somente ganhou seu nome após libertar a rainha e todos os exilados cativos.






Lancelot - O Cavaleiro Da Charrete


Chegou o dia. A pedido do público.



Traição. Intrigas. Mentiras. Sexo. Anões. Não é nenhuma novela nova, e a história do Cavaleiro da charrete.

Quem quiser o roteiro inteiro, é só baixar do projeto Gutenberg, ou em outro site já em HTML. Não digam que não avisei.

A historia de o cavaleiro da charrete não é outra que a de Lancelot e Guinevere, onde é consumada a traição ao rei Arthur, e começam os encontros e desencontros do casal.

Tudo começa com a visita de um cavaleiro armado ao castelo de Camelot, para reclamar para si as terras e pessoas que moravam nas terras que considerava do seu dominio. Este cavaleiro não disse quem era, mas afirmou que ninguém tiraria dele o que tinha ganho. Não havia no reino pessoa valente o bastante para enfrentá-lo.
Ele ainda lançou um desafio: quem acreditasse que poderia vencé-lo devia buscá-lo em uma clareira do bosque perto de Camelot. Quem fosse desafiá-lo, devia levar a rainha Guinevere com ele para disputá-la em justa luta; se o defensor de Camelot ganhar, poderia devolver a rainha ao seu lugar, e voltar com a honra de devolver as terras e pessoas para o rei. Se perder, a rainha iria embora com este cavaleiro desconhecido para suas terras distantes, onde não seria possível resgatá-la.
De forma infantil, o rei concorda com o primeiro tosco que se oferece para tal tarefa, que perde miseravelmente. O otário foi o senescal Kai; pelo menos o sobrinho favorito do rei Arthur, Sir Gawain, foi o único que pensou direito e seguiu Kai, junto com outros cavaleiros.
Infelizmente o grande Gawain não chegou em tempo de salvar Kai. Somente viram o cavalo dele com a sela arrebentada, e manchas de sangue. Outro cavaleiro veio da clareira, correndo no seu cavalo até o fim das forças do animal. Pediu outro cavalo para Gawain, que gentilmente o cedeu dos cavalos que levava com ele; assim que este cavaleiro pegou esta nova montaria, agradeceu, e saiu ao galope novamente. Gawain achou isto tão estranho que decidiu seguí-lo.
Finalmente o achou em uma clareira, hesitando se subia ou não na charrete de um anão; nessa época era uma das maiores desonras ser levado em uma charrete, pois era o transporte onde os condenados a morte eram expostos ao povão antes da execução. A questão é que este cavaleiro não estava no seu juízo fazia mais tempo do que ele lembrava, e após hesitar duas vezes subiu na charrete, com a condição de saber da rainha. Esta oferta foi feita ao Gawain também, mas respondeu que tinha boa montaria, e que seguiria o charreteiro onde ele fosse sem pra isso se humilhar. Lembrem deste fato, é importante para o que virá mais à frente.

Eles chegam a um castelo, onde no dia seguinte puderam ver a rainha sendo levada para terras distantes. O cavaleiro da charrete desfaleceu e tentou se suicidar, mas Gawain o impediu. Gawain e o cavaleiro da charrete seguiram juntos buscando resgatar a rainha, e se separaram em uma encruzilhada do caminho, escolhendo cada um uma senda para chegar até estas terras distantes. Ambos os caminhos levavam a um destino perigoso, enquanto Gawain foi para a passagem pela ponte sob-a-água, o cavaleiro da charrete foi para a passagem pela ponte da espada. Esta ponte era como o gume de uma espada, e dava passagem para as terras do rei Bandemagus.
Mas quem surripiou a rainha não foi Bandemagus; quem fez essa sacanagem foi seu filho Meleagant, um cavaleiro com porte de brucutu e nada gentil. Pelo menos seu pai o impediu de por as mãos na rainha, para não piorar a situação; Bandemagus deu abrigo para a rainha e garantiu que nada lhe faltasse no seu exilio até ser resgatada. Bandemagus era um rei bom e honesto, mas seu filho estragava isso tudo constantemente.

Então, Lancelot, nosso cavaleiro da charrete, superou desafios dos mais variados, sempre com um objetivo em mente: liberar a rainha Guinevere do seu captor, e tirá-la do exilio. Ele foi o primeiro a atravessar a ponte da espada; se feriu gravemente, mas ganhou a admiração e respeito de Bandemagus, quem o ajudou daqui em diante na sua missão. Mas não foi apenas a ponte que Lancelot teve que superar. Foram batalhas, magias, e até teve que resistir a tentação de belas moças bastante dadas (uma delas na verdade até deitou com ele, mas nada aconteceu porque ele não quis).

Teve ele culpa de se apaixonar assim pela rainha? Ele traiu a confiança do seu rei, e o voto de cavaleiro, enquanto a rainha traiu a confiança do seu rei e do seu marido. De fato, não foi uma paixão, entre eles havia amor genuíno. Faz isso ficar diferente o adulterio da rainha? Pode Arthur culpá-la de se apaixonar por outra pessoa? Para deixar a novela mais complicada: seria possível para uma Guinevere amar Arthur e Lancelot, por motivos diferentes? Existe o homem perfeito, ou a mulher perfeita?
Não quero com isso defender ninguém, mas o que mais curto dessa história é a dificultade e o realismo dos personagens para enfrentar dilemas totalmente humanos. Teria sido facílimo para Lancelot possuir qualquer mulher que tivesse vontade de ter; em um torneio conseguiu a façanha de que todas as solteiras desejasem casar com ele, e nenhuma casou nesse ano por causa dele, porque não havia cavaleiro como ele no torneio (olha aí o macho-alfa... né Andrea?). Sendo assim, quem pode culpar a jovem Guinevere de ter se encantado por ele? Mas nisso tudo tanto Lancelot quanto Guinevere nunca são plenamente felizes; a culpa, o remorso e o medo de ser descobertos são seus companheiros constantes.
Primeiro Chrétien, depois Malory, ambos descreveram maravilhosamente os conflitos internos destes dois personagens apaixonados; tudo começa aos poucos, e envolve o leitor ao ponto de não conseguir guardar o livro para depois. Você quer saber o fim, o desenlace da história.

E no que diz aos MEUS leitores... vocês aguentam até a semana que vem para saber o fim da história????? Como eu sou mau as vezes...

Semana que vem: Guinevere entrega sua flor para outro jardineiro!!!!



Chrétien de Troyes

Romances da Távola Redonda

A semana passada não consegui postar, como expliquei no breve comentário que pendurei. Somente cheguei em casa no Domingo à noite, e assim não tive como pesquisar, e ainda menos postar. Pedidas as desculpas e dadas as explicações, posso contar um pouco sobre o post de hoje, e a pesquisa que venho fazendo já faz um par de horas.
Levei dois livros comigo na viagem para Buenos Aires, porém meu tempo livre para leitura (no avião, por exemplo) se concentrou em apenas um deles, "Romances da Távola Redonda" de Chrétien de Troyes. Decidi falar do autor, ou melhor, do trabalho dele e do esforço para conhecermos hoje sobre seu trabalho.

Este livro contém quatro histórias, duas resumidas e duas completas:

Eric e Enide;
Cliges, ou a que se fingiu de morta;
Lancelot, o cavaleiro da charrete;
Ivain, o cavaleiro do leão.

Ele deve ter nascido por volta de 1135 em Champagne, perto da região de Troyes. Ao todo escreveu 7 trabalhos, 6 deles dedicados à lenda arturiana, onde os quatro mencionados acima compõem o ciclo amoroso do autor. É uma pena que até hoje não foi achado o primeiro Tristão, com certeza de autoria dele.

Chrétien é tido como maior autor e símbolo da era medieval e dos romances arturianos franceses, conhecidos também como romances corteses. Devemos a ele a introdução de personagens fundamentais, como Gawain e Lancelot; e da mente dele surgiram partes da lenda tão importantes como o graal, e o nome do reino do rei Arthur, Camelot. Até então, ninguém tinha dado nome às terras de Logres.

Uma coisa que é certa na vida de Chrétien é que trabalhou alternadamente sob dois patronatos, a corte de Champagne e a de Flandres. A corte de Champagne devia ser muito tentadora pela figura da rainha Leonor de Aquitânia, uma mulher de cultura esplêndida. Embora não tenha conseguido o protetorado da rainha Leonor, acabou chegando a Champagne através do patronato de Marie, filha de Leonor, quem propôs para ele o desafio de escrever a historia de Lancelot, o cavaleiro da charrete. Ele não terminou esta historia, que foi finalizada por um contemporâneo dele mas de talento muito menor, chamado Geoffroy de Lagny.
Com a morte do seu patronato em 1181, Chrétien buscou amparo em Flandres, que mantinha relações assíduas com Champagne, e era provavelmente a corte mais rica e predisposta a colaborar com pessoas dedicadas a empreitadas de cunho artístico. Foi lá que empreendeu o trabalho de escrever Perceval, mas que infelizmente não finalizou, falecendo antes de concluí-lo. Quatro autores de talentos variados completaram a obra, acrescentando umas 54000 linhas aos 9000 versos escritos por Chrétien.

Os livros dele foram escritos em verso, com uma poesia em versos de 8 sílabas, cujas rimas acontecem em pares. Estes versos foram compostos em francês antigo, criando um precedente na literatura; até então, estes textos eram compostos em latim. A riqueza destes versos ainda é percebida nas traduções que vieram depois, até na conversão do texto para o formato de prosa.

O livro que tenho em mãos é uma tradução ao idioma português, em formato de prosa. Este livro tem uma ótima introdução, explicando contextos históricos e descrevendo de maneira preciosa a riqueza do texto de Chrétien. É verdade que perdemos muito ao passar um texto em versos para um formato contínuo como a prosa, mas acho que perderíamos muito mais em uma pobre tradução de versos apenas para criar rimas tolas. Isto já acontece só de traduzir os versos do francês antigo para o moderno; ainda assim, o talento de Chrétien transparece e sobrevive a todo este processo, e podemos sentir em alguns momentos na leitura a existência de um texto muito mais rico, uma presença maior que aquela composta apenas pelas palavras à nossa frente.


Como traduzir versos assim?

Cerf chassé qui de soif alainne
ne désire tant la fontaine
n'éperviers ne vient à reclain
si volontiers, quand il a faim
que plus volontiers ne venissent
A ce que nu entretenissent...

(Cervo acossado que de sede ofega /
não deseja tanto a fonte / nem gavião
retorna ao reclamo /de tão bom grado,
quando tem fome / como (os amantes)
desejam /se conhecer nus...)


E termina com:

En ce vouloir m'a mon coeur mis
- Et qui le coeur, beau doux ami?
Dame, mes yeux - Et les yeux qui?-
La grand beauté qu'en vous je vis

(Nesse querer meu coração me pôs /
- E quem pôs o coração, mui doce amigo? /
- Meus olhos, Senhora / - E quem pôs os olhos?
/ - A grande beleza que vi em vós.)

É por este motivo que a prosa vira nossa aliada neste trabalho, dando aos tradutores a possibilidade de trazer a poesia nas palavras, e não nos versos.

Os Manuscritos


O trabalho de um grupo de pessoas em compilar e recopilar os poucos manuscritos que sobreviveram até hoje permite comparar as edições da época medieval das histórias de Chrétien; este trabalho ganhou o nome de Projeto Princeton Charrette. Não vou contar muito mais sobre o projeto aqui (para isso o link), mas só posso dizer que me admirei muito de poder comparar os versos dos manuscritos com o livro que tenho em mãos, e vou compartir com vocês essa experiência nos próximos parágrafos.

Lancelot

A história do cavaleiro da charrete conta a lenda de Lancelot, e sua busca pela rainha Guinevere em terras distantes. Suas crenças e devoção pela rainha são colocadas à prova várias vezes na história.
A tal charrete tem participação apenas no começo da história, e representa o tropeço de Lancelot durante sua busca. Os presidiários e pessoas condenadas eram levadas de charrete em lugares públicos, para provocar escárnio. O amor de Lancelot é colocado à prova ao ser convidado a subir na charrete para obter informações de sua querida rainha, e após hesitar uns segundos, ele decide se submeter a isto com tal de conseguir cumprir sua busca. Cabe mencionar que o nome de Lancelot foi revelado com a história bem avançada, mais ou menos pelo verso 6000. Até então, era apenas um cavaleiro sem nome.

Como disse há pouco, é muito interessante comparar os manuscritos originais com os textos traduzidos para o português. No começo da história, é revelado o vilão desta forma:

A tant ez vos un chevalier
Qui vint a cort molt acesmez,
De totes ses armes armez.
Li chevaliers a tel conroi
S'an vint jusque devant le roi
La ou antre ses barons sist,
Nel salua pas, einz li dist:
Rois Artus, j'ai en ma prison
De ta terre et de ta maison
Chevaliers, dames et puceles,
Mes ne t'an di pas les noveles
Por ce que jes te vuelle randre;
Einçois te voel dire et aprandre
Que tu n'as force ne avoir
Par quoi tu les puisses ravoir;
Et saches bien qu'ainsi morras
Que ja aidier ne lor porras.
Li rois respont qu'il li estuet
Sofrir, s'amander ne le puet,
Mes molt l'an poise duremant.


Em português "prosa", ficou assim:
Sobreveio então um cavaleiro armado com todas as armas. Assim aprestado, caminhou até diante do rei. Não o saudou, apenas disse:
Rei Arthur, retenho em meu poder uma parte da tua terra e da gente da tua casa: cavaleiros, damas e donzelas. Mas não te dou tais novas com intenção de os devolver. Ao contrário, quero informar que não tens força nem bem com que os possas reaver. E fica sabendo que morrerás sem os conseguir socorrer.
O rei responde que terá de sofrer tal desventura, já que não lhe pode remediar. Grande porém será seu pesar.
...

O legal disso é que mesmo quem não conhece ou domina o francês, consegue encontrar a beleza dos versos escondida na tradução, e confirma isso ao ver o texto original.

O que não entendi da história é o preconceito com os anões. É um fato constante durante todas as histórias que os anões são sacanas, e Chrétien não foi nem um pouco delicado para descrever isso:

Li chevaliers a pié, sanz lance,
Aprés la charrete s'avance
Et voit un nain sur les limons,
Qui tenoit come charretons
Une longue verge an sa main.
Et li chevaliers dit au nain:
Nains, fet il, por Deu, car me di
Se tu as veü par ici
Passer ma dame la reïne.
Li nains cuiverz de pute orine
Ne l'an vost noveles conter,
Einz li dist: Se tu viax monter
Sor la charrete que je main,
Savoir porras jusqu'a demain
Que la reïne est devenue.


E na tradução:

O cavaleiro a pé, sem lança, aproxima-se então da charrete e vê sobre os varais um anão que segurava como um charreteiro uma longa vara na mão.
Diz o cavaleiro ao anão:
- Anão, dize-me, por Deus, não viste passar por aqui minha senhora a rainha?
O anão, filho da p_ _ _ , não quis lhe dar novas, mas respondeu:
- Se quiseres subir na charrete que conduzo, podereis saber até amanhã o que foi feito da rainha.

Então.. eu disse para mim mesmo, "Isso aqui foi erro de tradução. Nem a pau chamaram o anão de filho da p_ _ _ no original, imagina!!". Não é que me enganei? Olhem só o texto a partir do verso 347:



Seus comentários abaixo. Semana que vem: Lancelot e Guinevere, ou o conto do cavaleiro da charrete!!

5 inventos, 5 histórias

Seguindo no embalo de outros blogs que falaram sobre invenções, tive a idéia de falar sobre invenções que usamos até hoje, mas que foram criadas na época medieval. Afinal, este é um blog temático...

Óculos

Os manuscritos mais antigos falando de óculos datam de 1286. Nesse tempo, Sandra di Popozo escreveu em um tratado florentino que "estava tão debilitada pela idade, que não conseguiria enxergar os vidros conhecidos como óculos". A verdade é que os italianos levaram a fama como inventores dos óculos, por causa do sucesso de vendas, e da armação para manter ambas lentes unidas, mas as primeiras referências a lentes chegam até Confucio, no ano 500.

Carrinho de Mão

Sim, já sei, os chineses fizeram primeiro. Mas no caso deles era apenas uma caixa de madeira com uma roda embaixo, o que devia ser terrível de usar em terreno acidentado. A "elegância" de uma caixa com uma roda na frente e longos braços para manobrá-la apareceu lá pelo século 13, pelo menos o que dizem nos quadros pintados na época, o que nos leva até outro item:

Pintura à Óleo

Neste caso um flemish conhecido como Jan van Eyck foi quem conseguiu uma mistura estável de témpera (guache) e óleo, o que deu não somente novos matizes à pintura, como também uma duração extraordinaria.

Relógio Mecânico

Os grandes relógios usados nas torres das catedrais eram movidos por peso, de maneira semelhante aos relógios de pêndulo. Estes relógios apareceram por toda a Europa mais ou menos no mesmo período, entre os séculos 13 e 14.

Compasso

Tá, estou trapaceando. O magnetismo não é uma invenção humana, e a bússola foi inventada provavelmente pelos chineses. Ainda assim, os compassos secos, usados para navegação, apareceram no Mediterrâneo por volta de 1300. Antes disso só temos a menção de compassos em 1190, em documentos feitos em Paris. Para compensar a trapaceada, vai a sexta invenção:

Botões

É! Os botões da roupa, método pratiquíssimo para prender duas peças de roupa ou duas partes do tecido de maneira rápida foi inventada por alemães no século 13, adotadas rapidamente no resto do agora velho mundo, e mantemos conosco até hoje. Engraçado como esses inventos simples não deram a fama para o inventor, e mesmo assim não imaginamos um mundo sem elas, não é?

Período Criativo

O período medieval nos deu outras invenções curiosas:

Quarentena
Colar para animais de tiro (cavalos, bois)
Ferraduras
Tear horizontal
Arado
Espelhos
Marca de Água
Moinho de vento
...

E o Arthur, onde fica?

A lenda arturiana já é uma invenção por si mesma. Nela vemos inventadas grandes lutas, dragões, mágica, personagens cheios de história e sentimentos. Mas, se é por falar de coisas que de fato existiram e podemos chamar de invenções, gostaria de colocar estas cinco na minha lista:

1) A domesticação de animais

O que seria do homem, se não tivesse descolado um jeito de criar animais para obter leite, carne, ovos... para se locomover mais rapidamente, ou levar cargas maiores... como armas de guerra que virariam o rumo das batalhas... e como companheiros de aventuras, claro!

2) Os Castelos

Moradias, refúgios ou fortalezas, os castelos tiveram um papel fundamental na idade média, como símbolo de poder e pivô central na formação de cidades poderosas durante o período feudal. Obras de engenharia que se adaptaram ao tempo, os castelos serviram para funções tanto bélicas como pacíficas. Aliás, foi um dos meus primeiros posts, ou não?

3) As Justas

Adrenalina, testosterona e falta de inimigos que prestem renderam ao período medieval a oportunidade de brincar em lutas mais sérias organizadas de maneira esportiva, para satisfazer a necessidade dos cavaleiros de se mostrarem, e ao mesmo tempo servir de treino e entretenimento para "a galera". Quero MESMO ver uma dessas acontecendo, e a oportunidade ainda existe, mas não é aqui ao lado. Ainda é praticado na Alemanha o torneio de cavaleiros de Kaltenberger; vejam o site no link, e busquem videos no youtube. Vale a pena.

4) As armaduras sólidas

Quente. Sufocante. Pesada. Imobilizante. Assim era a armadura medieval, e era o melhor lugar para ficar em uma batalha em campo aberto. Era ela que decidia entre a vida e a morte dos guerreiros, e ganhou fama e detalhes para reconhecer os grandes lutadores... até aparecer a pólvora. Aí que acabou a brincadeira, e as muralhas do castelo eram mais necessárias do que nunca.

5) Armas de sitio

Não sei exatamente o motivo, mas as catapultas, os trebuchets e os arietes me causam um fascínio enorme. Depois dos elefantes do Alexandre o Grande, foram as primeiras armas no campo de batalha apropriadas para invadir construções amuradas, e estabelecer cercos, sitiando o inimigo e forçando o confronto. Os gregos entre outros povos antigos tinham grandes armas de guerra, mas foi a época medieval que deu o destaque a estas grandes peças de engenharia. Mais tarde, a evolução da guerra levaria à invenção dos tanques de guerra, os canhões, os submarinos... Não gosto da guerra, mas infelizmente ela é um dos principais motores para investimento em tecnologia. Desde os reis antigos até os governantes de hoje em dia, o fato de estar em guerra faz investir irrestritamente em invenções e descobertas tecnológicas, com o puro objetivo de ganhar a corrida armamentista. Estas descobertas, embora aconteceram por fins bélicos, acabam fazendo diferença nos tempos de paz, quando estes investimentos não acontecem. Coisas tão simples quanto a caneta bic foram inventadas assim, quando as canetas a tinta convencionais vazavam na cabine dos pilotos, e os lápices quebravam as pontas. A necessidade motiva a descoberta.

Ahhhh.....

Sim, suspiro de desilusão. Não falei das moças da lenda, como "minhas leitoras" pediram, e foi por verdadeira, total e absoluta falta de tempo para pesquisar. Morgana, Gueinevere, Nimue, nenhuma delas tem um livro próprio, e a pesquisa em vários livros consome um tempo que não tive, portanto peço desculpas por trair essa expectativa. Nesta semana vou estar ocupado também, portanto lá sei vai a minha possibilidade de postar na semana que vem sobre qualquer moçoila épica devassa (ou não). Vou viajar a trabalho, e quero levar comigo alguma literatura para preparar um post nos momentos vagos. Com certeza vou levar "O último reino", de Bernard Cornwell, que fala sobre as lendas nórdicas, mas vou levar também algum outro livro arturiano, que ainda não decidi.
Espero que tenham gostado da leitura, e quero comentários até a próxima semana!!!