Modinha das antigas

Como acontece com todos os blogueiros, tem semanas que são cheias de ideias, e tem outras nas quais simplesmente o assunto não vem na cabeça. Ontem foi assim, e não consegui pensar em nada. Digamos, até tive umas ideias, mas pouco práticas para encarar no susto; seriam posts para escrever em fascículos, pesquisando bastante. Honestamente, este fim de semana quero colocar um post curto, e a ideia veio depois de visitar uma as comunidades que leio no FB. 

Minha foto no perfil é um lembrete permanente do dia em que visitei a Estação Ciência em São Paulo, quando ocorreu a exposição de armaduras medievais. Ajudando no trabalho de divulgação, tive a oportunidade de vestir parcialmente uma armadura, uma sensação parcialmente claustrofóbica e completamente genial. As texturas, os materiais e particularmente o peso das peças de metal mudam a visão que se tem de uma armadura, mudança que atinge sua dimensão completa somente depois de vestir uma armadura de fato. Leva tempo para vestir, leva tempo para tirar, e é impossível fazer ambas coisas sem alguém para ajudar. Em um mundo de luta honrada, os cavaleiros contavam com os escudeiros para apoiá-los em tudo; cuidar dos cavalos, manter as armaduras e armas em bom estado (seja limpando, polindo e mesmo cuidando do conserto de partes), e alcançar as armas uma vez que o cavaleiro estava no cavalo. Um cavaleiro, de armadura completa e montado no seu corcel, pronto para a batalha, é uma visão amedrontadora. Eram os tanques de guerra da época, invencíveis, somente derrotados por outro cavaleiro nas mesmas condições. Sim, tudo isso é muito épico, mas bastava matar o cavalo e o escudeiro, e o cavaleiro morria de inanição, sem conseguir sair da armadura nem para fazer suas necessidades básicas. Só o Iron Man que consegue se vestir sozinho, e para isso gastou uma baita grana.

Mas não é sobre cavaleiros e armaduras que quero falar hoje. Quero falar do resto da população medieval, e como se vestiam. Que imagem temos dos tempos medievais? Que roupas usavam? Quais os materiais, cores, tipos?

Peço para interromper a leitura por um minuto, e pensem nas vestimentas medievais que conseguem imaginar antes de ler o resto do post. Sério, tirem a vista da tela um pouco e pensem na indumentária medieval.

Quantos de vocês lembraram de pensar em sapatos? Ou na roupa de baixo? Em enfeites, bijuteria? Algum colar?

Pensem de novo, e agora imaginando vocês mesmos usando a roupa. Pensem nas dobras, nos cadarços, na maneira de vestir. No clima. No chão que pisam. A imagem vai ficando mais nítida, não é? Ainda assim, é difícil pensar no dia a dia, nas trocas de roupa, ou mesmo na confeição das mesmas.

Tem grupos que não somente pesquisam a questão da indumentária medieval (seja através de quadros, pinturas e desenhos da época), como também se preocupam em reproduzir a vestimenta. Graças aos festivais medievais, muitas pessoas tem a oportunidade de vestir roupas de diferentes épocas, regiões e logicamente, diferentes degraus na escala social. A arte medieval mostra principalmente a vida da nobreza e as proezas da cavalaria, mas também há registros da vida social nos vilarejos, dos quais podemos aprender um pouco mais sobre o lado não tão charmoso, porém realista da população. 

Strike the pose...


Dessa forma descobrimos as roupas largas, sem abotoaduras; na época os fechos eram cadarços, faixas e cinturões. Na medida que subimos na escala social, aparecem os broches, os ornamentos, os enfeites nas bordas dos tecidos, os cortes mais precisos, e claro, as roupas que precisam de ajuda para serem vestidas (como os fechos dos espartilhos nas costas dos vestidos).

Nos festivais medievais podemos ver todos estes estilos, passando por vários séculos e ilustrando "ao vivo" o visual de diferentes origens (nórdico, inglês, francês, entre outros). No mesmo festival, podemos encontrar desde nobres barões até vikings vestidos com peles. 

Como não somos todos que temos a habilidade de costurar a própria roupa, ou temos acesso aos materiais necessários, surgiram diversas lojas que fabricam roupas para uso nestes festivais. É sobre uma dessas lojas em particular que quero comentar hoje: a Echoppe Medievale, uma "boutique" na França dedicada a preservar a memória da indumentária medieval, e uma das lojas mais organizadas no quesito de refletir especificamente épocas onde cada vestimenta foi usada.

Na loja encontramos armas e armaduras, mas o que me fascinou realmente foram as roupas. Camisas, calças, sapatos, túnicas e vestidos fazem um catálogo impressionante, todos com várias fotos que ilustram bem a qualidade da reprodução. Convido vocês a passear pela loja online, disponível em inglês, espanhol e claro, francês. 

O que gostei mais? É difícil escolher, mas sem dúvida os robes vão chamar a atenção do público feminino do blog. Vejam este, vermelho, e o verde, os dois da nova coleção.

Até o próximo post!






D3

Tem como falar de outra coisa neste fim de semana? O lançamento mundial do Diablo 3 superou as expectativas até da Blizzard, que tinha se preparado como ninguém para um lançamento desse porte, e mesmo assim enfrentou problemas de lentidão nos primeiros dias.

Acho que na empolgação por jogar, na ansiedade por reencontrar os cenários, personagens, inimigos e músicas do jogo, muita gente perdeu a noção do porte da empresa que estamos falando, e até que ponto eles se prepararam para este lançamento.

A Blizzard é simplesmente a maior e mais preparada companhia de jogo online. Ponto. O World of Warcraft está aí para provar isso. Não bastasse o WoW, e deles a mais antiga e duradoura rede online da que tenho  conhecimento, a Battle.Net, hoje hub central de todos os jogos da empresa. Se tem alguém com experiência em jogo em rede, essa é a Blizzard. Eles fizeram um cálculo sobre a quantidade de vendas esperadas do jogo e quantidade de jogadores online (Mundo) para o lançamento do Diablo 3, e com esses números em mãos, iniciaram um trabalho titânico de preparação. Mesmo assim, nas palavras da Blizzard em seu comunicado oficial após os problemas do dia 15, mesmo os cálculos mais agressivos de demanda ficaram por baixo da realidade. O comunicado oficial (que por sinal, é muito engraçado e bem humorado, fica aqui).


Honestamente, e com anos que levo jogando online e offline, este tipo de problema no lançamento é muito comum. Até esperado, diria. Pensem na espera de anos de tantos jogadores ao redor do mundo, até que finalmente o jogo chega nas suas mãos. Independente da hora do dia, todos esses jogadores vão querer testar o jogo, olhar para a tela pela primeira vez, e formar sua opinião. Nenhum vai deixar para o outro dia. É assim que acontece: no dia-a-dia normal, cada jogador vai encaixar suas horas de jogo no tempo livre, entre uma obrigação e outra, conforme puder. Mas não no lançamento. A imensa maioria dos jogadores vai deixar outros programas de lado (cineminha, tv, saídas, etc) ou mesmo obrigações para poder tirar o gostinho do jogo. Com isso, não ocorre o revezamento natural de jogadores ao logo do dia: o planeta inteiro tenta entrar no jogo ao mesmo tempo. E acontece o que se espera quando uma massa gigante e desordenada tenta passar por uma porta limitada; é engarrafamento na certa. Não é culpa da Blizzard, nem dos jogadores: eu acho parte do jogo. Sim, xingar porque caiu a conexão faz parte também, e para muitas pessoas, isso é até educativo. É uma lição de paciência, e de entender que o mundo não pára porque lançou um jogo. 

Bom, mas vamos ao meu jogo, à minha experiência.



O jogo não tem nada de arturiano. Aliás, nesta edição, nem cavaleiros tem como personagens jogáveis. Quem pensou que eu sou o cara de armadura na imagem acima, se enganou. Ele é um dos "ajudantes", um cavaleiro templário de fato, mas está apenas para me ajudar. Eu sou o outro cara. Este aqui na verdade:



É, nada arturiano. Mesmo a simpática homenagem na imagem anterior, com a espada na pedra, não é uma referência ao mundo medieval ao que este blog normalmente se dedica. O personagem acima é o Witch Doctor, uma das cinco classes disponíveis no jogo, e cujo principal atributo é a inteligência. Achei bem parecido de jogar com o antigo Necromancer do Diablo 2, que era meu personagem por excelência e fez do Witch Doctor a escolha mais óbvia.

Quem está acostumado a jogos de estratégia e rpg, vai entender imediatamente se descrevo ele como um AoE/Pet class, mas isso não quer dizer nada para quem não respira esse universo. Traduzindo: AoE é "area of effect", o que diz que este carinha medonho faz ataques que afetam muitos inimigos ao mesmo tempo, e o "Pet" é para indicar que seus ataques estão baseados em criaturas controladas pelo personagem. Ou seja, não é ele que sai dando porrada por aí, no lugar disso ele solta os cachorros e deixa o pau quebrar (enquanto joga veneno ou coisas parecidas nos inimigos). No caso de um witch doctor, é claro que esses bichinhos que ele solta não são nada fofos; seu controle sobre pets vai de serpentes a sapos, aranhas e zombies. Este tipo de personagem é muito bom para controlar grandes hordas de inimigos, mas em compensação, é bem fraquinho para atacar um inimigo sozinho e grande (a clássica boss fight, ou o chefão do fim de cada nível). Não é o tipo de personagem para novatos, é para quem quer desafio. Porém, faz ótima companhia em grupos de jogos, como parte da galera que dá suporte aos que ficam dando porrada (conhecidos como tanques/tanks, por ficar na linha de frente). No Diablo 2, joguei muito com a Marion no mesmo esquema: ela brincando de Tank com um personagem forte para ataques individuais, e eu controlando o grupo, meio que colocando na fila para apanharem de um em um. O post dela desta semana conta um pouco mais das nossas sessões de D2, sempre saudosas.

Agora, voltando ao mundo arturiano, percebi que na lenda ocorrem poucos encontros com o sobrenatural, e menos ainda com o lado negro da força. Temos um divisor de águas entre as histórias celtas e as de influência cristã; encontramos o cavaleiro verde e o glatisant como referências bem pitorescas do mítico, enquanto toda a história da busca do Graal é puramente cristã. Sim, acreditem se quiser, mas percebi isso jogando Diablo; enquanto no jogo enfrentamos forças infernais para evitar o apocalipse, na lenda arturiana há cavaleiros muito valentes e habilidosos buscando o graal e se aventurando por aí, mas nenhum enfrentou forças do além. O mais próximo disso são os feitiços malignos, geralmente da mão de Morgana (como quando prendeu o Lancelot).

Curiosamente, um dos poucos encontro com o demônio que lembro na lenda é o do nascimento do Merlin. Tirando esse fato pontual e específico, os grandes e piedosos cavaleiros da távola redonda de fato não enfrentaram as forças do inferno, mesmo com toda a carga teológica inserida na lenda ao longo das suas "traduções" e interpretações.

Aos estudiosos de verdade: alguém lembra de outros encontros na lenda arturiana com o diabo, demônios ou coisa parecida? Quem souber, comente!

Até o próximo post!

O Folz Medieval

 Dedicado a Gabriela Folz, mi hermana que sin querer despertó en mí la curiosidad de saber más sobre este asunto.

Em um momento de nossas vidas (que não é precisamente o mesmo momento para todas as pessoas) surge uma pontada de curiosidade sobre nossas origens. Olhamos para nossos pais, tios, avós... e aos poucos, as trilhas dos casamentos, nascimentos e cidades vão perdendo nitidez. Os detalhes somem; deixamos de considerar o endereço onde nossos parentes moravam, e passamos a considerar somente as cidades. As datas também ficam confusas, quando não somem completamente. E assim, as raízes da nossa árvore genealógica desaparecem como as vozes daqueles que já foram, na falta de um registro escrito que possa eternizar as memorias. Eventualmente, encontramos outras pessoas na mesma situação, porém iniciaram estas pesquisas muito antes e servem de fonte não apenas de informação, mas como guias nessa cruzada genealógica pelas origens de nossos ancestrais. 

Os imigrantes podiam ter muitos defeitos, mas tinham uma característica comum: a união entre eles. 

Os imigrantes se aglomeravam em comunidades, na maior parte dos casos mantendo idioma, tradições e crenças, fazendo das novas terras um cantinho estrangeiro em terras novas. É pelo registro destas comunidades que descobrimos as rotas migratórias, e descobrimos mais detalhes sobre nossas origens. Registros de nascimentos, de óbitos, de casamentos, compras de terras, e quaisquer outros papéis servem de rastro para farejarmos mais detalhes. Assim, finalmente chegamos ao registro de imigração, onde alguém, o patriarca da nossa raiz neste lado do atlântico, desembarcou para deixar um legado que nem ele mesmo conhecia. Uma bagagem cheia de desenganos, de amargores vividos e ao mesmo tempo, de esperança, buscando um futuro melhor para si e para os seus.

Mas, e do outro lado do atlântico? Na Europa? Podemos achar de onde vieram esses antepassados?

De fato, se um barco chegou na América do Sul vindo da Europa, é porque partiu de um porto, onde também existe um registro de passageiros. Com esses registros, investigamos um pouco mais, e descobrimos um espelho do que encontramos por aqui: novas comunidades, novos registros, e assim, nossa árvore encontra raízes cada vez mais profundas, fortes e ricas.

Hoje, uma das minhas irmãs guarda um registro muito detalhado das idas e vindas do nosso sobrenome, ao ponto de localizar fotos muito antigas, da época onde as famílias se vestiam para a ocasião, e saiam para o patio da casa para aproveitar a luz, ficando estáticas enquanto a pólvora queimava provocando o clarão necessário para registrar as imagens na placa. Fotografias em tons de preto ou marrom, amareladas pelo tempo para o tom sépia, com crianças vestidas como adultos, e adultos sérios, muito sérios. Imagino que essa seriedade se restringia às fotos e à missa, e que no resto eram pessoas que mesmo sofridas, encontravam felicidade e eram capazes de rir juntos.

Nesse impulso por conhecer de onde viemos, eu fiz uma coisa diferente: tentei achar outros registros onde apareça meu sobrenome, mesmo que não seja capaz de traçar uma linha que me leve até esse registro. Em outras palavras, quase um um exercício lúdico usando como pauta minhas raízes.

O primeiro registro que encontrei foi nos Anais da Real Academia Matritense de Heráldica e Genealogia. Devo admitir que estranhei muito ver meu nome em um registro espanhol, sabendo claramente as minhas origens germânicas. Acontece que lá pela página 931, aparecem umas referências extraídas de outros livros de origem francesa, redigidos por um tal de Robert Folz, um medievalista francês nascido em 1910 e especializado no período conhecido como era Carolíngia, que vai do 751 ao 987 e ganhou esse nome pelos seus imperadores (a saga do Carlo Magno). Pelo jeito, a curiosidade pelo mundo medieval vem de família, não sou o único Folz medievalista (embora meu legado seja muito mais modesto).

Mas, tem um registro ainda mais curioso: um poeta / barbeiro / cirurgião chamado Hans Folz, e responsável por um dos registros mais importantes da poesia medieval. Hans Folz (1437-1513) foi um poeta de renome e relevância variável ao longo dos séculos posteriores a sua obra. Escreveu muitas poesias burlescas, com forte apelo sarcástico e com o único objetivo de divertir e entreter (ou seja, era o tipo de piada suja contada em rodinha, só que em formato de poesia), ganhando assim um lugar na lista de maus exemplos de literatura medieval. Porém, tem outros trabalhos dele, onde um  em particular ganha valor incontestável: sua obra registra uma das lendas mais antigas relacionadas à Cristandade, sobre o destino de Adã e Eva após serem expulsos do paraíso. Esta lenda se remota ao século 10, onde gregos e romanos tinham seus próprios registros em Latim; assim, ele deixa de ser um contador de piadas sujas enquanto fazia a barba dos clientes, mas adquire status de importante poeta do século 15. Eu nunca fui bom para contar piadas, mas pelo menos teve alguém na família que sabia. E ainda fez muito mais do que só contar piadas.

Quem diria, parece que o medievalismo realmente faz parte dos Folz. Ainda meu livro vai ver a luz do dia, e quem sabe não ganhe um espaço na estante de alguma biblioteca, próximo do meu antepassado brincalhão.

Até o próximo post!