Spoilers


Em geral não gosto de spoilers, mas vou dar alguns desta vez. Me surpreendi muito enquanto assistia o episódio 5 do novo seriado "Merlin". Já falei um pouquinho do seriado, especialmente pelo fato de distorcer totalmente a lenda arturiana; mas para meu espanto, este episódio puxou uma das referências mais curiosas que já vi fazer. Pela primeira vez, um seriado mais fantasioso que a própria fantasia fez uma referência histórica digna da BBC, digna da produtora do seriado.

Neste episódio, conhecemos Lancelot como um jovem que quer ser cavaleiro, mas não tem título de nobreza e portanto não é digno de fazer parte da corte de cavaleiros de Camelot. Por ajuda do Merlin, consegue um falso título de nobreza, e passa por vários testes até conseguir ser nomeado cavaleiro. Neste título, ele é anunciado como quinto filho do rei Uriens, mas Uther lembra claramente que Uriens somente tem quatro filhos, e pede para o escrivão da corte conferir a heráldica, a veracidade do título nobre do novo cavaleiro.

Até aqui, nada demais. O meu espanto foi o nome do escrivão: Geoffrey de Monmouth.

A piada é que uma das maiores referências para a lenda arturiana medieval tem por autor ninguém outro que o Geoffrey. Já falei dele algumas vezes, mas pelo que percebi nunca falei como um post dedicado o que facilitaria simplesmente linkar aqui e pronto. Mas resumindo muito o lance dele, por volta de 1136 escreveu um livro chamado Historia Regum Britanniae, ou Historia dos Reis da Britania, livro que foi considerado como dado histórico autêntico por muitos anos, contando um periodo que se estende de 1100 AC até pouco antes do 700 DC. Quer dizer, os galeses de fato acreditaram durante muito tempo que Uther, Arthur, e até o Merlin faziam parte da história do seu país, que tinham de fato governado aquela terra.

Foi muito engraçada a sutileza da piada feita no seriado ao colocar uma pessoa real no meio desse contexto altamente fantasioso; ter colocado um escrivão que existiu como a pessoa que cuidava dos livros, das patentes e títulos do reino. Parabéns à BBC pela idéia!

Teve mais uma piada bem sacada, acho que pela primeira vez mencionando uma referência correta à lenda, que é o triângulo Arthur / Guinevere / Lancelot. Com a vinda do Lancelot para o reino (interpretado pelo ex pintor maconheiro e morto do Heroes), rolou um clima clássico entre Lancelot e Guinevere. Pouco depois, na celebração para os novos cavaleiros, Arthur e Lancelot compartilham o mesmo banco, sentados juntos e bebendo; Guinevere os olha de longe, e Merlin lança uma pergunta:

- Gui, se você tivesse que escolher um deles, com quem você ficaria? - Ai Merlin, isso nunca vai acontecer, imagina...

Muito. Bem. Sacado. Sem perder o ar sacrílego do seriado, conseguiram fazer uma ótima referência para satisfazer a horda de arturianos fanáticos que pretendiam incendiar os estudios da BBC. Mais um pontinho para eles.

Fuçando o blog, percebi que teve dois assuntos que de fato não explorei, ou pelo menos não contei direito; um deles é o próprio Lancelot (com quem encerraria o triângulo), e o outro um post somente sobre os textos do Geoffrey, talvez falando no começo do Nennius. Vou pensar no assunto.

Até a semana que vem!

Camelot 3000 - Arthur no futuro!

Aconteceu, por acaso, que buscando uma e outra coisa na internet dei de cara com um gibi. Por curioso que pareça, no meu post anterior contei que o Prince Valiant tem toda a cara de ter nascido de um gibi, mas neste caso os quadrinhos não são sobre ele.


Uma série de 12 episódios escrita em entre 1982 e1985 veio contar uma história diferente. Olha só:

No ano 3000, a Terra é invadida por alienígenas, e os líderes do mundo se esforçam para enfrentar esta crise. Como a lenda conta, o Rei Arthur não morreu, mas descansa e aguarda para retornar quando sua amada Britania precisar dele... E teria um momento mais idôneo para ele retornar? Por um acaso, um zé mané tromba com um túmulo em uma escavação em Stonehenge, e dela surge Arthur para salvar a pátria. Com ele, outros personagens aparecem aos poucos (como Merlin por exemplo), mas a grande sacada é que os cavaleiros e outros personagens importantes da trama simplesmente se incorporam no corpo de pessoas vivas.

O gibi tem lados bons e lados ruins. Vamos ao ruim primeiro:

Os textos estão muiiiito ultrapassados, datados eu diria. Lendo algumas frases e olhando desenhos vemos que os ETs tem cara de insetos, andam como gente, usam armas "laser"... digamos, todo bem óbvio. O tom de discussão política envolve o confronto entre as potências da USA vs. URSS, e outras coisas bem gritantes dizendo "eu fui escrito nos começos dos 80". Ainda bem que tudo isso pode ser relevado, e até pode ser divertido como uma viagem no tempo.

Quase Cult

O lado bom é que este gibi abriu caminho trazendo um discurso adulto, e uma nova leitura à lenda arturiana; tudo bem que não é uma série que se destaque pela inventiva e criatividade, mas deu novo sentido aos personagens colocando-os em um cenário totalmente inusitado.O triângulo entre Arthur, Guinevere e Lancelot é recontado, assim como a busca do Graal e outros tantos eventos que fazem parte da lenda original.
Sobre o gibi, o roteiro é de by Mike W. Barr, desenhista Brian Bolland , e coloristas Bruce Patterson (1-6), Dick Giordano (6), e Terry Austin (7-12), publicado pela DC Comics. Como disse no começo, foi publicado entre 82 e 85, publicado novamente em 1998 encadernada em uma única edição, e agora reestréia em uma edição de coleccionador em capa dura, que está em pré-venda e tem data marcada para o 2 de Dezembro de 2008. Papai Noel, pensa nisso...

Deixo com vocês a primeira edição escaneada (de onde tirei a capa que ilustra o post), se divirtam lendo comigo o renascer do Arthur... Para ler, basta clicar em cada imagem. Detalhe: podem baixar as imagems ampliadas com click-direito e escolhendo "salvar link", ou com click-direito na imagem ampliada e usando "salvar imagem". Boa leitura!

Pág.01-05


Pág.06-10


Pág.11-15


Pág.16-20


Pág.21-25


Mais nos próximos gibis! Até a semana que vem!

O Príncipe Valente

Prince Valiant, ou O Príncipe Valente, é um dos mais recentes acréscimos à lenda arturiana. Recente em termos; é recente considerando desde quando a lenda arturiana existe em si, mas para os nossos dias internéticos até que já tem seu tempinho.

O Sylar Medieval.

A idéia de escrever sobre o Prince Valiant veio por aparecer como vilão no segundo episódio do novo seriado "Merlin" da BBC, do qual falei apenas dois posts atrás. Encontrei mais gente revoltada com as reformas da história, com argumentos convincentes diria, mas teve uma preocupação em mencionar um fator que eu não tinha me mancado. As crianças que assistirem este seriado terão essa versão como a primeira, o que de certa forma é muito prejudicial. Concordo que afinal lenda é lenda, mas o risco de deseducar é alto. Ainda bem que tem blogs como o meu, heehee! A mensagem para os pais é: Coloquem as crianças para ler, seja em livros, seja no computador. A questão não é o meio, é o conteúdo.

New Kid On The Block

Primeira parada: Sir Thomas Malory. Procurei no livro de ponta a ponta, no índice, no glossário, e até na versão digital (onde procurar é muiiiito mais fácil). Nada de Prince Valiant. Aí eu me disse "Êpa, aqui tem coisa rara...". Marion tá de testemunha que falei isso mesmo. Bom, o fato é que eu lembro do nome, de ter ouvido "Prince Valiant" e "Arthur" na mesma conversa, na mesma linha, mas o fato de não localizar nada sobre ele no Le Morte d'Arthur de 1485 quer dizer que não vai ter referências dele nem nos livros do Chrétien, nem no Historia Britannae de Nennius, nem em nada anterior ao período medieval. Talvez, e somente talvez, tenha alguma referência nos contos do T.H.White, que são bem mais recentes, ou mesmo nos textos do Christian de Montella, contemporâneo nosso, mas não pesquisei nesse material até porque não vivo de blogar. Quem sabe este post não ganhe um update mais na frente.

Para não dizer que não encontrei nada no Malory, tem a menção do Sir Villiards O Valente, nomeado cavaleiro pelo Sir Lancelot, e mais tarde nomeado conde de Bearn também pelo Lancelot; acontece que no Malory, Lancelot fica dono de boa parte da França e da Itália, e na que sería sua última viagem ao território francês ele não somente divide as terras como coloca condes e duques para governar cada uma, homens da sua confiança. Isto ocorre no cap. 18 do segundo livro, bem perto do fim.

Então, se não há referências ao tal Príncipe Valente, de onde ele veio?

Heroi dos Quadrinhos

A referência mais antiga que achei foi um gibi. É. "Prince Valiant in The Days of King Arthur" é um gibi de 1937-1938 escrito por Harold P. Foster, que hoje podemos localizar em diferentes impressões como coletâneas por volumes. Foi produzido um livro de capa dura para cada ano da tirinha, usando cópias da edição colorida publicada no Sunday. Entre os itens de colecionador mais raros que encontrei na internet, tem um disco em vinil com as histórias gravadas em formato de conto. Isso é que é um podcast do passado.

Hal Foster (como assina nos gibis) escrevia a tirinha do Tarzan quando foi requisitado para uma nova tirinha para uma série de jornais. Inspirado nos ideais da cavalaria e dos tempos medievais, távola redonda e etcéteras, ele criou o tira "Derek, Son of Thane". A tirinha estava ótima, a idéia era excelente, mas o nome era uma caca. Então simplificaram para "Prince Valiant", e foi um sucesso estrondoso.

A história no gibi se destacou por vários fatores:
  • A proposta de mostrar os tempos medievais foi muito fiel nas suas referências.
  • Os heróis não eram perfeitos, tinham seus erros, eram humanos como qualquer um.
  • Os vilões tinham também sua pontinha de nobreza eventual.
  • Os personagens envelheceram naturalmente com os anos.
  • A humanização deu lugar a uma mistura única de dramas familiares e fantasia.
A história ocorria principalmente em Camelot da Britania, mas os contos levaram os personagens para os lugares mais insólitos, como a misteriosa China e até o deserto do Sahara.

Herói Revisitado

O Prince Valiant serviu de inspiração a outras artes também, não morreu nos quadrinhos. A Fox produziu um filme em 1954, que conforme o IMDB "conta a história de um jovem príncipe Viking ansioso por formar parte da corte de cavaleiros do Rei Arthur, e assim ajudar seu exilado pai a retomar o trono das suas terras". Curiosamente, o conto do Chrétien "Cliges, ou a que se fingiu de morta", escrito no século 12, conta uma história similar sobre um tal de Alexandre, Príncipe da Constantinopla, que viaja de remotas terras para se formar cavaleiro na corte do Arthur. Curioso. Quem sabe não achei minha referência ao tal "príncipe valente".

Mais recente ainda, houve um desenho animado produzido em 1991 pela Hearst Entertainment, a mesma do Popeye, e com uma cara total de Caverna do Dragão. Olha só:




Finalmente, mais um filme, desta vez produzido na Alemanha em 1997 com o mesmo nome. Pouca info sobre o filme, e pelo pouco que vi tem toda a cara de ser de baixo orçamento. Se achar até assisto, já sabem como eu sou.
A capa de fato não diz muito, e a pontuação de 4.8 no IMDB também não ajuda. Mas, considerando tudo o que já assisti, acho difícil me surpreender com alguma coisa...

Até a semana que vem!

Pedra Sobre Pedra

Este post foi sugerido indiretamente pela minha Marion baseado em uma reportagem que ela encontrou por acaso na internet.
Fiz uma busca no meu próprio blog sobre Stonehenge, e para meu espanto, ainda não fiz um post dedicado somente a ele, mesmo dedicando alguns parágrafos perdidos em alguns posts que tinham relação com o famoso monumento de pedra, como o lance de ser o túmulo do Uther, o Merlin ter transportado as pedras, etc, etc...
Faz um certo tempo ouvi falar do trabalho de um grupo de arqueólogos interessados em aplicar as técnicas atuais para determinar a idade aproximada das pedras, das escavações e dos objetos encontrados por lá; a idéia é aplicar o famoso Carbono 14 dos filmes para determinar com certo grau de acerto quando exatamente essas pedras foram parar a 250 km do seu lugar original para formar um círculo calendário. Pois é. As tais pedras vieram do sul do País de Gales, e formam o que provavelmente seja o monumento pré-histórico mais famoso da humanidade.
Então, os cientistas extraíram várias amostras orgânicas do local, tiradas da única escavação permitida pelas autoridades; um buraco quadrado de 3,5 mts por 2,5 mts entre os dois círculos de pedra.

Cientistas descobrem que o Laser Disc é pré-histórico.

O resultado dos testes com radiocarbono deu valores entre 2400 e 2200 a.C., portanto os cientistas disseram que "tá na média de 2300 a.C.". Resposta brilhante a deles, imagino quanto tempo levaram para chegar na tal "média"...
OK, pra gente isso não diz nada, afinal passar do 2600 a.C para 2300 a.C. dá exatamente na mesma pra nós, mas para os cientistas diz muita coisa. O fato das pedras serem 300 anos mais "novas" revela um pouco mais sobre o período histórico na qual foram erguidas, sobre a tecnologia disponível e sobre os costumes da população em geral, o nível social, hierarquias, etc.
Uma das maiores teorias hoje é que Stonehenge tenha sido um centro de curas, já que nas proximidades das pedras foram encontrados muitos corpos com ferimentos graves, ou mesmo evidências de doenças fatais, e pelas pesquisas feitas nesses corpos foi possível determinar também que eles não eram da região; quer dizer, gente ferida e doente que viajou ou foi mesmo trazida até o lugar.
Entre estes corpos, um particularmente chama a atenção, que ganho o apelido de "Arqueiro de Armesbury" encontrado a quase 5 Km de Stonehenge e que curiosamente bate no radiocarbono a idade das pedras. O tal Arqueiro de Armesbury é famoso pelas riquezas encontradas no seu túmulo (momento Indiana Jones / Lara Croft agora), muitas delas peças de metal trabalhadas, e que evidenciavam que este homem viajou dos Alpes europeus até a remota Inglaterra para ver as pedras.
Nem todo mundo aceita a teoria do centro de curas; outros cientistas defendem que o tal Arqueiro só foi até Stonehenge para vender suas tralhas, considerando quanto as pedras deviam ser famosas e quantas pessoas ricas o suficiente para viajar poderiam estar lá. Digamos, um muambero pré-histórico.
Resumindo, a reportagem não diz muita coisa na verdade, mas ao mesmo tempo traz o assunto à tona novamente; para quem quiser saber meeeeesmo sobre Stonehenge, recomendo o site oficial "www.stonehenge.com.uk", ou mesmo para quem tiver a sorte de "encontrar" por aí, tem um ótimo documentário da BBC que conta inúmeros detalhes sobre os círculos de pedra, especialmente o que deu assunto a este post.

Até a semana que vem!