Guinevere Reloaded

A pedido de uma leitora (SIM, FOI VOCÊ MESMO!!), topei fazer um dossiê sobre o lado menos conhecido da Guinevere; origens, razões, curiosidades da personagem que são ofuscados pelo seu protagónico no triângulo amoroso mais badalado da literatura medieval.

Antes que me perguntem, a base dos meu texto de hoje são o excelente site "Early British Kingdoms" do Nash Ford (conhecido também como EBK), o site "King Arthur's Knights", de um fã arturiano como eu, o "Timeless Myths", e outras fontes como os livros que tenho em casa (um pouco de Malory aqui, outro pouco de Chrétien, e uma pitadinha de outros autores menos conhecidos).

Pai? É você?


Dona Gui era filha do rei Leodengrance de Cameliard, como nos conta Malory. A tradição galesa diz que seu pai foi Lleudd-Ogrfan, o que provavelmente acabou virando o Leodengrance aí. Mas pesquisando um pouco mais, encontramos um outro nome: Ogrfan Gawr (Ogrfan o gigante), agora como morador do Castell Y Cnwclas, ou castelo Knucklas. Para deixar a paternidade dela ainda mais duvidosa, o lado germânico coloca o rei Garlin de Galore como seu progenitor. Mas se vamos ao texto mais antigo, Geoffrey de Monmouth diz que era filha de um "earl" romano. Os "Earls" eram pessoas de posses, com terras, ou o que nos primórdios da Inglaterra acabou virando "conde", ou mesmo "duque", onde suas terras seriam os Ducados. Não é exatamente ou mesmo, mas não encontrei outra forma de explicar, assim que fica por isso mesmo.

Gwen? É você?

O nome Guinevere remete a outros nomes, e mesmo a várias personagens. Para começar, encontrei uma tal de Guenhuuara no Geoffrey, isto por volta de 1100. Segundo o Layamon e o Wace (outras obras bem antigas), ela era filha de um nobre romano, e descendente de romanos pela linhagem da mãe. O Leodengrance apareceu como pai só depois, da mão de Chrétien.

Ainda mais antigo é o lado galés. No Culwch ac Olwen encontramos a Gwenhwyfar ou Gwenhwyvar, a tal da filha de Orgfan. Não que tenha relação com nada, mas Gwenhwyfar pode ser traduzido como fantasma branco, nome este que virou Guinevere, e nos tempos atuais Jennifer.

O que faltou dizer é que não houve apenas uma Guinevere... Olha só a bagunça. O texto mais antigo mostra que Gwenhwyfar tinha uma irmã, a tal de Gwenhwyfach, o que traduzido equivale a Gwen pequena, ou Gwen menor. Em outras palavras, é como dizer que não chegava a ser uma Guinevere, mas quase lá. Este lance surge no Culwch ac Olwen, e aparece também nas tríades galesas. Aliás, a tríade trouxe a versão de que Gwenhwyfach atacou sua irmã Gwenhwyfar, e seria isso o que teria provocado a batalha de Camlan. Já em versões mais novas, foi Gwenhwyfar quem se aliou a Mordred e concluiu nesta batalha.

O ciclo vulgato apresenta duas Guineveres, ambas filhas de Leodegan. É assim, Leodegan tinha um senescal chamado Cleodalis. Cleodalis era casado com uma moça que mais tarde virou dama da mulher de Leodegan. Como Leodegan queria dar um chega na mulher de Cleodalis, o mandou para a guerra, e deu um jeito de ter relações com ela. Deste evento nasceu uma criança, mas o interessante é que a Leodegan tinha engravidado também sua mulher, e assim nasceram duas crianças. A mulher de Cleodalis, após o affair, se afastou para um convento, onde deu a luz. O curioso da história é que ambas crianças nasceram no mesmo dia, na mesma hora, com o mesmo nome, e fisicamente idênticas. Temos assim duas Guineveres, meia-irmãs por parte de pai. Apenas há uma diferença entre elas, uma marca de nascença na filha da rainha que lembra uma coroa de rei, enquanto a segunda Guinevere não tem marcas. Aliás, ela é chamada no conto de segunda Guinevere, ou até de falsa Guinevere.

A falsa Guinevere se fez passar pela real nos contos em que apareceu, onde até o Lancelot fez o papel de defensor da verdadeira combatendo contra três cavaleiros para defender a palavra da Gui. Nesse conto (o das duas rainhas), Arthur tinha bebido uma poção de amor que o fazia acreditar na falsa Gui, e o feitiço somente se desfez quando a falsa Gui e quem deu a poção ao Arthur ficaram paralisados por uma doença estranha, e confessaram ao rei. O que o conto não deixa claro é se morreram pela doença, ou porque foram executados.

Mas para que duas, se podemos ter TRÊS Guineveres!!! a tríade nos conta que Arthur teve três esposas, todas chamadas de Guinevere. Tivemos Gwenhwyfar filha de Gwent, Gwenhwyfar filha de Greidiawl, e finalmente a Gwenhwyfar filha do gigante Gogfran. Aqui surge o que conversei no post da Morgause, onde ocorre a divisão das deusas em três personalidades. No conto Arthur tem a obrigação de casar e deitar com as três para garantir a prosperidade do reino; há uma certa relação nesta visão com a da deusa tripla Morrigan, ou talvez com as irlandesas Eriu, Banba e Fodla, ou a também irlandesa e triple deusa Danu.

Socorro!

A uma série de fatos recorrentes em todas as histórias de Guinevere. Primeiro, ela é mulher de Arthur. Segundo, ela é a mais bela do reino, ever. Terceiro, ela é sequestrada e alguém vai atrás para resgatá-la.

Esse alguém varia dependendo do conto; o sequestro mais clássico é o do Meleagrant, do conto do Cavaleiro da Charrete, aka Lancelot. Em versões anteriores, o herói era Arthur, mas com a vinda do Lancelot acabou a graça e todas as proezas sobraram para ele, claro.

Mas antes deste clássico sequestro temos contos mais antigos, onde Guinevere também se vê na posição da dama indefesa. Um bom exemplo é quando Arthur parte para guerrear, e Mordred toma posse da Britania na sua ausência, alegando que Arthur morreu na guerra. Junto com isso, toma posse da Guinevere. Ela casa com ele (e aqui um conto diz que fez concordando e outro que foi a rebeldia). Em um ato bem planejado, ela cai fora, se instala em uma torre junto com criados e aliados, e se tranca para que o Mordred não chegue até ela. Enquanto Mordred está sitiando a torre da Guinevere, Arthur volta e ocorrem várias batalhas, a última e definitiva em Camlan.

Não vou me estender nesta parte, porque todo mundo já conhece (ou deveria se lê o blog), mas para quem não leu pode clicar no link do cavaleiro da charrete que conto em detalhes os lances de Gui com Lancelot.

Já no fim...

Cada história trouxe um final diferente para a vida da Guinevere. Temos a história dos corpos achados em Glastonbury, e outras histórias onde ela se retira para um convento e vira freira. Agora, tem finais muito menos agradáveis, como no que Lancelot a mata, e ainda coloca o Mordred no túmulo (ainda vivo!), que vira canibal e morre de inanição. Credo. Ainda há um memorial em Meigle, onde supostamente foi estraçalhada por cachorros enquanto era prisioneira de seguidores do Mordred, em Strathmore. Eu prefiro pensar que morreu de velha mesmo, rezando. Não precisa ser tão trash, mas o que o período medieval foi dureza, isso foi.

Perguntas?

3 comentários:

Cleopatra VII disse...

WOW!!!!

Que post fantastico!

Minha duvida é: Quando ela passou a ser vista como cristã (se é que alguma vez foi a não ser nos contos cristianizados de Artur, claro) e se a ideia do convento seria um castigo ou um refugio pra uma rainha viúva que não tinha mais praonde ir...

Gui-gui era da pesada, heim!

Amei o post! SUPER VALEU MESMO!!!

=D

Cleopatra VII disse...

Ai ai... postei com o perfil errado, hahahaha... é a Mara viu!

=P

Wally disse...

@Mara: Que bom que gostou! É OBVIO que era você, quem mais ia ser? Não tem muitas fãs dos deuses egípcios que me visitam no blog, viu? :P

Respondendo, era muito comum que as mulheres fossem para um convento, para de certa forma servir a Deus durante o resto das suas vidas e garantir seu cantinho no céu. Não acho que tenha sido um castigo, mas bem parece uma decisão pensada dentre as poucas opções. Claro, estamos falando de tempos nos quais já existiam rainhas, coisa que nem sempre existiu. Teve um tempo onde somente os homens detinham o poder, e as mulheres não eram consideradas rainhas, apenas esposas.
A Gui meio que sempre seguiu a tendência religiosa da época, portanto nos contos onde Arthur é cristão, ela também era. Lembrando, Guinevere é uma personagem nova, tão nova quanto Lancelot. Vieram para tumultuar o coreto, por assim dizer...

Obrigado pelos comentários e aos que não comentam, pela visita!