Éric et Énide: Parte 3

Este post é continuação da parte um e parte dois; se não leu esses posts ainda, recomendo muito ler na ordem.

A tradução do Chrétien que tenho em mãos começa em este ponto em itálico, resumindo alguns acontecimentos como se fosse uma pausa entre dois atos de uma obra. Respeitando o texto, prossigo da mesma forma no ponto em que paramos na parte dois.

Acontecem então os preparativos de combate. Equipado com as armas pelas mãos da jovem, Eric a coloca imediatamente na garupa e dirige-se para a praça livre e ampla onde vê chegar o cavaleiro e a sua equipagem. Este convida a donzela a apoderar-se do pássaro que lá está sobre a percha. Voltando-se para sua amiga, Eric faz o mesmo. É o desafio, e em seguida acontece o primeiro grande combate singular dos romances da Távola Redonda. Seqüência de episódios selvagens. Vencido, o cavaleiro do anão corcunda implora graça. Recebe a imposição de ir ao castelo de Cardigan, colocar-se à mercê da rainha Guinevere e anunciar a próxima chegada do vencedor e sua companhia. Estes logo se põem a caminho.

Juntos, tanto cavalgam que ao meio-dia em ponto ante o castelo chegaram. Eram esperados em Cardigan. Para os ver de longe, os melhores barões tinham subido às janelas. Com a rainha Guinevere e o próprio rei estavam Kai e Parsifal, sire Gawain e Tor filho do rei Ares, Lucan o copeiro-mor e mais outros cavaleiros. Quando longe viram Eric, todos o reconheceram bem. Com a sua chegada a rainha e toda a corte sentem a mesma grande alegria, pois todos o amam igual.

Tão logo Eric chega diante do palácio, o rei desce a seu encontro e também a rainha. Todos lhe dizem "que Deus vos guarde!" e prezam e louvam a grande beleza de sua donzela. O próprio rei a segura para descer do palafrém. Faz-lhe a maior honra, levando-a pela mão até a grande sala de pedra do palácio. Atrás deles Eric e a rainha sobem da mesma forma, de mãos dadas. Diz ele:

- Senhora, trago-vos minha donzela e jovem amiga, de pobre vestimenta vestida. Assim ela me foi dada. Assim a trouxe até vós. É filha de um pobre vavassalo. Pobreza rebaixa muito homem bom. Seu pai é nobre e cortês, mas de bens quase nada tem. A mãe é senhora mui digna, pois possui como irmão um rico conde. Beleza e origem não serão motivos para que eu recuse esposar esta damizela. Pobreza tanto lhe puiu o camisão branco que nos cotovelos as duas mangas estão rotas. Contudo, se eu a quisesse fazer portar boas vestes, sua prima ofereceu-lhe roupa de arminho, seda, veiro ou petigris. Porém não consenti que outra ela vestisse enquanto assim não a vísseis. Minha gentil senhora, sabeis o que é preciso: suplico que penseis em vestir-lhe belas vestes.

Responde a rainha:

- Agistes bem. É justo que ela tenha das minhas roupas. Vou lhe dar uma das mais belas.

A rainha conduz a donzela ao seu quarto e ordena que lhe tragam uma túnica nova e o manto da outra roupa traspassada, feita na medida exata do seu corpo. A serva traz prontamente o manto e a túnica, que até nas mangas era forrada de branco arminho. No punho e no decote haviam utilizado (não é adivinhação) mais de meio marco de ouro batido e pedras de grande valor: azuis, verdes, violeta e sépia. A túnica era de grande riqueza. Não menos valia o manto de tecido fino, tendo ao pescoço duas zibelinas com presilhas que pesavam cada qual pelo menos uma onça. De um lado cintilava um jacinto e do outro um rubi mais luzente que uma candeia.

Em seguida, duas criadas levam a donzela a uma câmara privada. Desvestem-na do camisão. Ela coloca a túnica, envolve-se em sua vestimenta, cinge uma faixa com passamanes de ouro e recomenda que doem seu camisão, pelo amor de Deus. Depois veste o manto. A cor das peles parece ficar mais escura. A roupa assenta tão bem que a torna inda mais bela.

Com um fio de ouro, as duas aias ornam o cabelo louro; mas ele brilha mais do que o fio que o prende. Na cabeça colocam um aro de ouro lavrado de flores de diversas cores. Do melhor possível a adornam, com tanto cuidado que nada há para retocar. Ao pescoço passam-lhe duas fivelas de outro nigelado com engaste de topázio. Igual à bela e graciosa jovem creio que em terra nenhuma houvera, tanto a natureza bela obra fizera.

Ela saiu do aposento e veio ter com a rainha, que a elogia, pois ama a damizela e apraz-lhe que esteja bem ornada e bela. De mãos dadas vêm ambas diante do rei, que se ergue ao vê-las. Quando as duas entraram, tantos cavaleiros se puseram de pé no salão que eu não saberia nomear a décima parte, nem a vigésima, nem a trigésima. Mas vos poderei dizer os nomes dos melhores barões da corte, os da Távola Redonda, que são os mais valorosos do mundo.

(...) Quando a bela jovem forasteira vê todos esses cavaleiros que a olham com insistência, baixa a cabeça. Sente pejo (não é de estranhar), e sua face purpureja. Mas o pejo que a assalta inda mais bela a torna.

O rei a vê assim envergonhada e não quer se afastar. Toma-lhe suavemente a mão e a faz sentar à sua direita. À esquerda assenta a rainha, que diz ao rei:

- Sire, pelo que veio e creio, aquele que com as armas conquistou tão bela mulher em terra estranha deve ser bem-vindo à corte do rei. Agimos bem ao esperar por Eric. Agora podeis tomar o beijo à mais bela da corte. Creio que ninguém vos impedirá, pois ninguém ousará dizer: "Esta que aqui está não é a mais bonita das jovens, neste lugar e no mundo todo".

Responde o rei:

- Não é mentira. A esta jovem, se ninguém me contestar, darei as honras do Cervo Branco.

Depois, dirigindo-se aos cavaleiros:

- Senhores, que tendes a dizer? Afirmo que ela tem o direito às honras. Podeis dizer algo contra isso? Se alguém quiser opor resistência, fale agora o que pensa. Sou rei. Não devo mentir nem consentir em vilania, falsidade ou desmedida. (...). O costume de Pendragon meu pai, que era rei e imperador, devo guardar e manter, não importa o que me possa ocorrer. Ora, dizei-me de pronto e mui livremente todo o vosso pensar: esta jovem, embora não sendo da minha casa, não deve por bem e justiça receber o beijo do Cervo Branco?

Todos exclamam a uma só voz:

- Sire, por Deus e por sua cruz, podeis julgar com justeza que esta aqui é a mais bela; que possui mais beleza e brilho que o sol! Livremente podeis dar-lhe o beijo. Estamos todos acordes!

Então o rei volta-se para a jovem e a abraça, dizendo:

- Doce amiga, dou-vos minha amizade sem má intenção, vilania ou maldade. De todo coração vos amarei.

Assim, seguindo o costume, o rei Artur restaurou o privilégio que o Cervo Branco tinha em sua corte.

Chrétien passa então a relatar como Eric pede ao rei Artur o favor de ter suas núpcias celebradas na corte. Prontamente o rei chama os vassalos mais ilustres: Bilis, rei dos antípodas, senhor dos anões; Maheolas, senhor da ilha de Vidro; Guíngomar, senhor da ilha de Avalon e amigo de Morgana; Aguiflez, rei da Escócia; Garraz, rei de Cork, e David de Tintagel, e o senhor da ilha negra...

Ao receber sua mulher em casamento, Eric teve de a chamar pelo verdadeiro nome. (Nenhuma mulher será legitimamente esposada se não for chamada pelo nome certo.) Ninguém ainda o conhecia. Nesse momento, ficaram sabendo: Enide era seu nome de batismo. O arcebispo de Canterbury, que viera à corte, abençoa-a segundo o costume.
Quando toda a corte estava reunida, a ela vieram todos os menestréis da região hábeis em algum divertimento. Grande alegria reinava no salão. (...) Nada que possa rejubilar e alegrar é omitido nesse dia de núpcias. Soam tímbalos, tambores, cornamusas, pífaros, flautins e trompas e charamelas. Não há porta nem portinhola fechada.
O rei Artur não foi mesquinho: ordenou a seus padeiros, valetes e copeiros que dessem com grande plenitude, a cada qual segundo sua vontade, pão, vinho e carne de caça. Grande foi o regozijo no palácio; mas de muitos detalhes vos poupo, para narrar o júbilo e o prazer que houve no quarto e no leito. Para essa primeira noite juntos, Enide não foi raptada nem Brangiene posta no seu lugar. A rainha interpôs-se para a adornar e deitar, pois os esposos ardiam por estar juntos.

Cervo acossado que de sede ofega não deseja tanto a fonte, nem gavião faminto retorna ao reclamo de tão bom grado quanto os amantes desejam se conhecer nus. Naquela noite ambos resgataram o tempo de tão longa espera! Quando todos deixaram o quarto, eles concedem aos corpos seus direitos. Os olhos saciam-se de olhar, esses olhos que descortinam a via do amor, enviando ao coração a sua mensagem. E agrada-lhes tudo que contemplam. Após a mensagem dos olhos vêm a doçura - que vale bem mais - dos beijos que atraem o amor. Dessa doçura ambos experimentam e dessedentam os corações, tanto que com grande custo a interrrompem. O beijo é seu primeiro jogo; mas o amor que os prende torna a donzela mais ousada. Logo ela mais nada teme. Tudo sofreu, por mais que lhe custasse. E antes de levantar do leito perdeu o nome de donzela. De manhã, havia dama nova.

Que liiiiiiiiindooo!!!! Quero mais!!!!!

A história do Cervo Branco termina por aqui, mas Eric e Enide tem um longo caminho pela frente. Quem sabe, daqui a alguns posts não conte o resto da história deles?
Acho muito poética a última seqüência de parágrafos que copiei do livro. Nela podemos adivinhar, sentir o fundo do texto original do Chrétien de Troyes, que era em francês, e em formato de verso. Na tradução perdemos muito disso, mas o texto foi redigido com tanto talento que mesmo após tantas transformações consegue emocionar e transmitir a força da mensagem. O amor é um gesto universal e atemporal, que revigora sua mensagem cada vez que duas pessoas se dizem "te amo". O sentimento entre Eric e Enide era esse: um vínculo de amor, que explodia na paixão desenfreada que os versos contam.

Desejo a todos meus leitores um ótimo Natal, uma deliciosa véspera rodeado de amigos, família e por que não, muitos presentes!

Até a semana que vêm!

Érec et Énide: Parte 2

Nota: Este post vem como continuação da Introdução ao conto de Eric e Enide (Parte 1).

O Cervo Branco

No dia da Páscoa, no novo tempo, o rei Artur reuniu a corte em seu castelo de Cardigan. (...) Antes de despedir a assembléia, o rei anunciou que queria caçar o Cervo Branco, para reviver o costume. Isto não agradou a sire Gawain. Assim que ouviu as palavras do rei, disse:

- Sire, de tal caça ninguém vos agradecerá nem dará graça. Sabemos todos que quem mata o Cervo Branco tem o direito de dar um beijo na mais bela jovem da vossa corte. Respeitar esse uso pode dar azo a grande confusão, pois há bem aqui quinhentas damizelas de alta linhagem, todas filhas de reis, belas e recatadas. Cada uma tem por amigo um cavaleiro. Ele pretenderá, com ou sem razão, que sua amiga é a mais bela e a mais gentil.

- Bem o sei - respondeu o rei. - Mas nada do que disse mudarei. Palavra de rei não deve ser contestada. Amanhã cedo partiremos todos caçar o Cervo Branco na floresta aventurosa. Essa caça será mui maravilhosa.

No dia seguinte, logo ao alvorecer, o rei levanta. Veste uma cota curta para ir à floresta. Manda acordarem os cavaleiros, aprestarem os cavalos de caça. Tomam das armas e das flechas. Afastam-se rumo à floresta.

Atrás da tropa de cavaleiros vinha a rainha, em companhia de uma dama de honra que montava um palafrém branco. Seguia-as um cavaleiro chamado Eric. Era da Távola Redonda, e tinha grande renome na corte. (...)

- Senhora - diz ele -, se vos apraz cavalgarei ao vosso lado neste caminho. Vim apenas para estar junto de vós.

A rainha agradeceu:

- Caro amigo, sabei que aprecio muito vossa companhia. Melhor não posso ter.

Então eles cavalgam a bom passo e na floresta entram direto. Os que estavam na frente já haviam levantado o cervo. (...) Correndo à frente de todos eles, o rei presidia a caça, montado em um cavalo espanhol.

No bosque, a rainha Guinevere escutava os cachorros, tendo ao lado sua aia e o cavaleiro Eric. Os que haviam levantado o cervo logo ficaram tão afastados que nada mais se ouvia, nem trompa nem cão nem relincho.

(...) Viram então aproximar-se um cavaleiro armado, escudo ao peito, lança em punho. À sua direita cavalgava uma jovem de belo aspecto e diante deles, em um grande rocim, vinha um anão trazendo na mão um chicote com nós. A rainha, que os avistara de longe, estava curiosa de saber quem eram o cavaleiro e a jovem. Pede à aia:

- Damizela, ide dizer àquele cavaleiro que venha até mim e traga a jovem.

A aia vai diretamente até eles, mas o anão grita-lhe:

- Damizela, o que procurais aqui? Não tendes por que ir adiante!

- Anão - diz ela -,deixai-me passar! Quero falar a esse cavaleiro! É a rainha que me envia.

Mas o anão se atravessa no caminho. E grita novamente:

- Para trás! Para trás! Não tendes o que fazer aqui! Não tendes o que dizer a tão grande cavaleiro!

A aia sente grande desprezo por um ser tão pequeno que ousa lhe falar assim. Avança, tencionando passar à força. Mas o anão ergue o chicote para lhe bater no rosto. Ela se protege com o braço. O anão lhe açoita a mão nua; açoita também a outra mão, que fica toda vermelha. Quando a aia vê que não há recurso, recua e vai embora. Com o rosto banhado em lágrimas, volta para a rainha. Esta diz então:

- Eric, caro amigo, estou agastada por esse anão ter ferido a minha aia. O cavaleiro é um mal homem permitindo que tal canalha batesse em tão bela criatura. Eric, ide até o cavaleiro e dizei-lhe que venha prontamente. Quero conhecê-lo, e também à sua amiga.

Eric pica de esporas e galopa em linha reta. Ao vê-lo chegar, o anão corre à sua frente.

- Para trás, vassalo! Que vindes fazer aqui? Afastai-vos, eu ordeno!

Mas Eric responde:

- Antes foge tu, anão horroroso! Deixai-me passar!

(...)

Eric empurra o anão que, furioso, chicoteia-o tão forte que as correias marcam-lhe o pescoço e o rosto. Eric bem sabe que nada ganharia em matar o anão, pois vê adiante o cavaleiro em armas, cheio de maldade e arrogância, que o ameaça:

- Se bateres em meu anão, te mato!

Loucura não é coragem, e Eric afasta-se, agindo com muita sensatez.
- Senhora - diz à rainha -, eis que sofri ultraje inda maior! Aquele anão horrível golpeou-me tão forte que me tirou a pele do rosto. Não o ousei tocar nem ferir. Ninguém deve censurar-me, pois estava sem armas. Aliás, o cavaleiro senhor do anão não teria permitido e seguramente me mataria. Mas quero jurar-vos que, tão logo possa, vingarei minha desonra ou a tornarei ainda maior. No momento as minhas armas estão longe demais. Não contava precisar delas e deixei-as em Cardigan quando partimos esta manhã. Se ora as fosse buscar, jamais conseguiria alcançar aquele cavaleiro, pois ele se afasta a bom galope. Mas vale que o siga de perto ou de longe, até que me emprestem ou aluguem armas que me convenham. Então o cavaleiro me encontrará aparelhado para o combate. Senhora, sabei que, sem falta, nos bateremos tão duramente que um de nós terá de ser vencedor. Espero estar de volta dentro de três dias, o mais tardar. Então me revereis no castelo, não sei se contente ou dolente. Não posso tardar mais. Preciso seguir o cavaleiro. Vou-me, e a Deus vos recomendo.

A rainha autoriza-o a partir e recomenda da mesma forma, creio que mais de quinhentas vezes, para que do mal Deus o proteja.

Sir Wally de Moema resume a história neste ponto, contando que todos menos Eric voltam para Cardigan. Com o cervo abatido, a discussão se inflama e todos discutem (a toa) quem é a mais bela. A rainha lembra a todos que Eric não voltou da caçada, e foi trás o cavaleiro para recuperar sua honra perdida. Por este motivo, o beijo do costume fica adiado por três dias ou até a volta de Eric, o que acontecer primeiro. Continua agora o texto de Chrétien de Troyes.

Durante esse tempo, Eric ia seguindo em todos os caminhos o cavaleiro armado e o anão que o havia chicoteado. Chegaram diante de um burgo muito bem sitiado, sólido e belo. Entraram diretamente pela porta.
(...) Assim que avistam muito ao longe o cavaleiro que conheciam - mais o anão e a donzela - toda a gente vai ao seu encontro. Saúdam-nos e felicitam-nos, mas não fazem o menor caso de Eric, que não conhecem, ao que parece. Este segue passo a passo o cavaleiro pelo burgo, até que o vê albergar e fica mui satisfeito com isso.
Prosseguindo um pouco no caminho, vê sentado em um degrau um vavassalo de certa idade, dono de bem pobre morada. (...) Eric considerou que esse bom homem o poderia sem dúvida albergar. Passou a porta, entrou na casa. O vavassalo correu atrás dele; e antes que Eric dissesse uma palavra, saudou-o:

- Gentil sire - disse ele -, sede bem-vindo se em minha casa vos dignais albergar! Eis a casa que vos espera.
- Agradeço-vos - respondeu Eric. Necessito de uma casa por esta noite.

Eric desce do cavalo. O próprio sire o toma e puxa pelas rédeas. Ele faz as honras a seu hóspede. Chama a mulher e a filha., que trabalhavam em uma sala de costura, não sei em qual trabalho de agulha.
A dama saiu, acompanhada da filha que vestia uma fina camisa de abas, branca e plissada, por cima do camisão branco. Não usava outra roupa, mas o camisão estava tão puído que tinha furos nos lados. Pobre era a roupa por fora, mas belo era o corpo por baixo.
Ela saíra da sala de costura. Ao ver o cavaleiro, manteve-se um pouco atrás, e porque o via pela primeira vez teve pejo e enrubesceu. Eric, por seu lado, abismou-se ao ver tão perfeita beleza.
O vavassalo disse à filha:
- Bela e meiga filha, tomai este cavalo e levai-o ao estábulo com os meus.
(...) Depois volta ao pai, que lhe diz:
- Minha filha querida, tomai pela mão este senhor e fazei-lhe grande honra.
A filha obedece de bom grado. Toma o senhor pela mão e o conduz para lhe fazer as honras. A dama fora na frente para bem adornar a casa.
(...) Depois que cearam a gosto e deixaram a mesa, Eric fez uma pergunta ao seu anfitrião o dono da casa:
- Dizei-me, gentil anfitrião, por que vossa filha traja roupa tão pobre e vilã, ela que é tão perfeitamente bela?
- Gentil amigo - disse o vavassalo -, pobreza faz mal a muitos e estou entre eles! Dói-me ver a minha filha tão pobremente trajada. Não o posso remediar. Tanto estive sempre em guerra que perdi toda a minha terra. Tive de a vender ou empenhar. Entretanto, a minha filha estaria bem vestida se eu tivesse sofrido que ela aceitasse o que lhe queriam dar. O senhor desta terra a teria belamente adornado e cumulado de todos os bens possíveis, pois o dito senhor é conde. Não há nesta região barão dos mais ricos e mais poderosos que a não tivesse de bom grado tomado por esposa, com meu consentimento. Mas espero inda melhor partido. Deus lhe reserva maior honra que lhe traz a aventura: rei ou conde aqui virá que a seu país a levará. Haverá sob o ceú um só deles que se envergonhe da minha filha, que não tem igual no mundo? Ela é muito bela, mas seu recato sobrepuja ainda a beleza. Deus não fez criatura com mais senso nem de coração mais franco. Quando a tenho junto a mim, o mundo não vale um caracol! Ela é meu prazer, meu lazer, meu solaz e meu conforto e minha fortuna e meu tesouro. Nada conheço que seja tão belo como seu corpo.
Após ouvir seu anfitrião, Eric perguntou-lhe de onde era toda aquela cavalaria que tão numerosa viera ao burgo que não havia rua tão pequena nem casa tão pobre que não estivessem cheias de cavaleiros e damas e escudeiros.
- Gentil amigo, são os barões desta terra e das redondezas que vieram, jovens e velhos, para a festa que acontecerá amanhã. Haverá grande algazarra quando estiverem todos reunidos e quando, diante dessa multidão, um belo gavião de cinco mudas, talvez seis, o melhor que conseguirem, for colocado lá em cima, sobre uma vara de prata. Quem o quiser possuir deverá ter amiga bela e recatada e irreprochável. Se houver um cavaleiro bastante audaz que pretenda para sua amiga o renome e o prêmio reservados à mais bela, diante de todos ele a fará pegar o gavião na vara, caso nenhum outro se oponha. Permaneceu aqui esse antigo costume, e é por isso que vêm tantas pessoas.
Após essa fala, Eric assim pede ao vavassalo:
- Gentil anfitrião, se não vos aborrece e se o sabeis, dizei-me: quem é esse cavaleiro com armas azul e ouro que ora passou por aqui? Junto dele cavalgava uma donzela encantadora e adiante um anão corcunda.
Responde o anfitrião:
- É quem terá o gavião, pois nenhum cavaleiro ousará opor-se. Não, não haverá rotos nem rasgados. Ele o conseguiu dois anos seguidos, sem ter encontrado desafiante. Se desta vez obtiver o pássaro, o terá ganho para sempre. Dele será o pássaro, doravante todo ano, sem contenda nem peleja.
Diz Eric vivamente:
- Esse cavaleiro, não gosto dele! Sabei que se eu tivesse armas lhe disputaria o gavião! Gentil anfitrião, rogo que me ajudeis a aparelhar-me de armas, velhas ou novas, feias ou belas, pouco importa.
O anfitrião responde:
- Tenho boas e belas armas que de bom grado vos emprestarei. Lá dentro está a loriga de malha tripla que foi escolhida entre quinhentas, e as perneiras brilhantes e leves. O elmo está polido, luzente, e o escudo tinindo de tão novo. Cavalo, espada e lança vos emprestarei também, podeis ter certeza!
- Agradeço-vos, caro anfitrião, mas não desejo melhor espada além da que trouxe, nem outro cavalo além do meu. Dele me valerei bem. Se emprestardes o restante, será bondade mui grande. Mas quero pedir ainda uma cousa, pela qual vos serei reconhecido, se Deus me der de retornar com a honra da batalha.
- Pedi com toda segurança o que vos apraz. Nada do que tenho vos faltará.
Então Eric diz que quer reclamar o gavião para a filha do seu anfitrião, pois realmente não haverá na assembléia jovem bela com um centésimo da sua beleza. Se a levar consigo terá razão certa e segura de pretender e mostrar que com o gavião deve ficar. E acrescenta:
- Senhor, não sabeis qual hóspede haveis albergado, sua condição ou classe. Sou filho de um rei rico e poderoso. Meu pai é o rei Lac, Os bretões me chamam Eric. Pertenço à corte do rei Artur. Mais de três anos permaneci junto dele. Não sei se até esta terra chegou o renome do meu pai ou o meu. Mas prometo que, se me quiserdes aprestar com vossas armas e confiar vossa filha, amanhã conquisto o gavião! Então, se Deus me der a vitória, levarei vossa filha para meu país. Farei com que ela porte coroa. Será rainha de dez cidades.
- Ah, caro sire, é mesmo verdade? Sois Eric, o filho de Lac?
- Sou sim.
O vavassalo sente grande júbilo:
- Ouvimos falar de vós nesta região. Muito vos amo. Sois bravo e audaz. Jamais vos desacolherei. Apresento minha querida filha, inteira a vossas ordens.
Pegou a filha pelo pulso.
-Tomai - diz ele -, ela é vossa!

Curiosos? Amanhã tem mais...

Érec et Énide: Parte 1

Mais uma, ou a primeira de muitas?


Chrétien de Troyes disse que os séculos conservariam a lembrança de Érec et Énide "enquanto perdurasse a Cristandade". O valor desta obra reside em compor o primeiro romance do ciclo arturiano (bretão), literatura que marcaria presença na Europa durante vários séculos. Estes romances foram traduzidos para todas as línguas meridionais, germânicas, escandinavas... até no Oriente podemos encontrar traduções destes textos.
Dentro da literatura francesa, esta é a primeira obra de fato reivindicada por Chrétien como de sua autoria. Isto acontece de um jeito interessante no texto: Ele se vangloria como autor, se definindo como "um erudito", menosprezando os jograis que vivem "do penoso oficio de contar histórias". Com isso, ele não está se gabando, apenas mantendo uma tradição da antigüidade e pagando aos jograis com a mesma moeda, que debocham dos escritores incapazes de atrair a atenção de um auditório.
Da mesma forma que acontece com Lancelot, Yvain e Cliges, este romance foi inspirando em um conto galês, pegando carona em lendas da Bretânia e Armórica, e pelo lado celta, de Câmbria e Cornualha.
O conto galês que falei acima começa assim:

Artur tinha por costume de reunir sua corte em Carlion-sobre-o-Osk. Ali a reuniu sete vezes na Páscoa e cinco vezes no Natal, e mesmo às vezes no Pentecostes, pois seu reino Carlion era a cidade mais acessível por terra e por mar...

Já o conto francês do Chrétien:

No dia da Páscoa, no tempo novo, o rei Artur reuniu a corte no seu castelo de Cardigan. Homem jamais vira corte tão rica...

A semelhança é gritante, mas para alguns pesquisadores, na verdade ambos os contos são contemporâneos, e tem por fonte um outro conto mais antigo, perdido no tempo.
A diferença substancial entre ambas as histórias é no lado cavaleiresco, romántico. O conto de Chrétien usa e abusa do lado romántico para explicar e dar motivos aos fatos, enquanto o conto galês e mais... como a vida é , por assim dizer.
Um bom exemplo disso dentro do conto é a caçada ao cervo branco, promovido pelo rei Artur entre seus cavaleiros, na floresta próxima ao castelo. No conto galês, o prêmio é "a cabeça ensangüentada do animal", enquanto no romance francês, o cavaleiro vencedor da caçada teria o direito de indicar qual a jovem mais justa, que ganharia um beijo do rei (tradição que começou com Pendragon, pai de Artur). Logicamente, todos os cavaleiros desejam honrar suas damas, portanto se dedicam na caçada para ganhar este destaque para suas respectivas amadas. Quem ganha o beijo é Enide, a pedido de Erec.
A história deles é cheia de romance, e de confusões. Em vários episódios as intrigas e mal-entendidos ocasionam desgosto entre os amantes, mas finalmente após penar bastante eles se reencontram, se descobrem novamente.
É uma historia demorada de contar, e por isso vou estendê-la por mais uns posts. Conforme o tempo que tiver, vou publicando aos poucos, para quem não conhece a história e gostaria de ouvi-la.

Então, algum dos meus leitores já ouviu o conto de Erec e Enide? Comentem!

Happy Times

Arthur pede a mão de Guinevere


No fim do ano, o casamento chegou. O grande salão reuniu cavaleiros, damas e donzelas de nobre coração, que mais tarde desejariam a sorte da noiva achando seu par ou conquistando a sorte da velha tradição: o que passou pelas mãos da noiva é recolhido pela donzela de maior sorte, ganhando assim a benção para que sua união não se faça esperar até o inverno.


As carruagens se juntaram do lado de fora, até se perderem de vista. Alguns convidados vieram de terras distantes, para poder compartilhar a cerimônia com o mais novo casal.
A alegria reinava no ar. Os convidados chegaram até o grande salão, onde o banquete aguardava. Os deuses sem dúvida abençoaram esta união, pois os ventos anunciavam bons agouros.

Casamento de Arthur e Guinevere

Poderia ser uma história arturiana, como o casamento do rei Ban e Helen, de Uther e Igraine ou mesmo de Arthur e Guinevere, mas esta pequena introdução é para homenagear a meus amigos de blog, fãs do Cornwell e amantes de gatos que uniram suas vidas no santo sacramento do matrimônio.

Desejo a eles através deste post, a maior das felicidades: Renata ap Jorge et Marli, Gabriel ap Claudio et Soraya, que vossa união seja abençoada!

PS: Marion está bem, mas ainda preciso dos 140 minutos... até a semana que vem!

Procuram-se 140 minutos

Então, para quem leu os comentários dos posts anteriores, Marion anda ruimzinha da saúde. Logicamente, isso tem mudado as minhas prioridades, e por isso o pseudo-abandono ao blog. Comecei a assistir Excalibur, filme que acho sensacional pela honestidade na história. Passa por todos os estágios da lenda, desde o começo com o nascimento de Arthur como filho de Uther e Igraine, graças às artimanhas do Merlin. O filme não tem grandes pretensões, e acho que isso faz dele tão interessante. Entre as cenas do começo, temos um ótimo exemplo de um castelo sitiado, com direito a catapultas, óleo quente e o melhor das engenharia bélica medieval. Só que preciso de 140 minutos para terminar de assistí-lo. Prometo voltar ao assunto, assim que ver o filme como corresponde :-)
Então, só para passar um pouco menos batido no quesito blog, vai uma pequena homenagem aos doentinhos, gripadinhos e espirrantes de plantão.
A medicina medieval devia ser medonha. Encontrei pouca informação "blogável" como referências à horóscopo, plantas medicinais e etc., mas em compensação algumas imagens imperdíveis caíram na minha mão. E como meu esporte tem sido descolar legendas incomuns, vão os comentários. Falando em comentários, obrigado mais uma vez pelo apoio incondicional!


- Chefe, chegou esse goró.. vai aé?
- mas é bão pra tosse, uai?
- ô.. esprimenta...




- Diga "Ä"
- hein? AGGGHHH...
- tua garganta tá ruim, viu fio?


Mais balela ainda nesta semana. Me desejem 140 minutos. Até!

Quick Post

Videoteca

Oi gente, comentário rápido hoje. Estou na busca do santo assunto para postar, e por isso vou assistir uns filminhos do arquivo pessoal, aproveitando o frio e o estoque de pipoca.

Enquanto isso, leiam, vejam filmes, curtam o fim de semana; o post deve sair hoje a noite ou no máximo amanhã.

Tchüss...