O último post do Camelot 3000

Será? Será que vai ser mesmo meu último post sobre esta saga? Digo último, porque falei pelo menos 3 vezes sobre este HQ. Pois é. Até o post em vídeo, o Camelot TV, foi sobre estes quadrinhos.

Receio que seja o último por uma causa bem simples: terminei de ler. Acho que fui deixando o livro de lado não apenas por ter outras coisas para fazer também, mas por saber que era curto e quando fosse encarar o livro ia terminar logo. Foi o que aconteceu; peguei, deixei no criado mudo, e fui passando alguns capítulos todas as noites até acabar. Vamos ao resumo, ou colocando melhor, minha opinião pessoal sobre o gibi:

A história é muito fumada. Bom, na verdade está dentro do esperado para um gibi; quem lê histórias em quadrinhos sabe que a criatividade nunca foi problema para os roteiristas. Todos os super heróis são resultado da imaginação, do desprendimento da realidade e dos limites que ela impõe. Assim, o Camelot 3000 usa este recurso ao extremo, com relativo grau de sucesso a cada tentativa. 

Como já disse nos posts anteriores, o mundo pode sucumbir, vítima de uma invasão alienígena. Os ETs lembram reptéis, talvez dinossauros bípedes, e chegam destruindo tudo, sem chance de negociação ou conversa. Qualquer esforço da humanidade parece não ter resultado algum. Nisso, me lembrou o filme "A Reconquista", onde o John Travolta interpretava um ET e em um dos dialogos com a resistência humana diz "Sabe quanto demoramos para destruir todas as defensas do seu planeta e invadir todas as cidades? Oito minutos". No livro não levou oito minutos, portanto o John Travolta é mais eficiente que os ETs do livro, mas não vem ao caso.

Um jovem se esconde nas ruinas de Glastonbury, e enquanto é perseguido pelos ETs esbarra no túmulo do Rei Arthur. É uma descoberta casual, importantíssima no sentido histórico, e o protagonista lamenta ter feito semelhante descoberta em uma hora tão infeliz para a humanidade, perto do seu fim. Assim, Arthur acorda do seu longo sono, enfrenta e derrota os aliens que seguem este jovem, e pede para ele que seja seu escudeiro até reunir novamente sua corte. Partem para Stonehenge, onde libertam Merlim da sua prisão de feitiços, recuperam Excalibur e chamam aos espíritos reincarnados dos principais cavaleiros. 

Na medida que avançamos na história, vemos várias coisas muito inovadoras no gibi, e outras que denunciam cruelmente sua data de nascimento. Temos um texto dinâmico, mas que ao mesmo tempo se preocupa muito em fazer jus à lenda original. Há uma preocupação visível, muito nítida de representar dignamente todo o lendário arturiano; não apenas pegar carona na fama dos personagens, mas mostrá-los dentro das suas facetas próprias, de trazer suas características principais e construir estes personagens novamente. Há um cuidado especial na fidelidade ao caráter dos personagens. Isso é uma conquista e tanto, e com certeza serviu de referência para outros HQs "históricos" que vieram posteriormente. É delicioso ver quanto cuidado foi colocado nesta história, para torná-la não apenas um gibi que as pessoas iriam ler no metrô no caminho ao trabalho ou à escola, mas iam guardar e colecionar como volumes de um livro. Uma história com começo, meio e fim, da qual não haveria outra nem sequências. É um livro, um conto, no formato de gibi.

Outra conquista deste gibi que não posso deixar de lado é tocar em assuntos considerados tabu, com a seriedade necessária e a responsabilidade de passar uma mensagem. No gibi, o Tristão reencarna no corpo de uma mulher, e sofre muito com isto. Há uma dor constante, uma aflição de ser homem, preso no corpo de uma mulher. Todos o tratam (ou a tratam) como mulher, querendo protegê-la durante as batalhas ou mesmo dando tarefas menos arriscadas nas missões, e isso o frustra completamente. O grande Tristão, deixado de lado, como se sua capacidade fosse menor por ser mulher. A coisa fica ainda mais gritante quando Isolda é reencarnada, e tem seu encontro. Isolda não liga para o corpo de Tristão, enquanto ele se sente incapaz de dar a Isolda o que merece, incapaz de corresponder seu amor como homem (click na foto para ver maior). Ele chega a questionar à Isolda o que ela teria feito se reencarnasse como homem, ao que ela devolve a pergunta, "o que você, Tristão, faria se os dois fossemos homens?". É de uma coragem e audacia incríveis tocar em assuntos como homossexualidade e lesbianismo de forma tão direta em um gibi dos anos 80, considerando que até hoje, quase 30 anos depois ainda estes assuntos são tratados geralmente através do humor, para torná-los mais aceitáveis pelo grande público. As novelas e filmes colocam os homosexuais como pessoas engraçadas, ou em papéis engraçados, para facilitar a sua aceitação. Parecem deixar de lado a dificuldade em reconhecer, ou falando melhor, ignoram o confronto constante com familia e sociedade para mostrar que seus gostos e interesses não vão com o que a sociedade impõe. Homossexualidade não é uma preferência; se fosse, seria muito mais fácil seguir o que a sociedade quer, do que enfrentar tudo e todos para dizer que é diferente. Por isso, não posso deixar de elogiar o trabalho feito no Camelot 3000 ao introduzir na história um assunto tão sério de forma responsável, sem meias palavras. 

No prefácio do livro, os autores comentam sobre isto, e contam que foi realmente uma maneira de puxar os limites da época, de trazer um texto completamente inovador e dar ao gibi o tratamento que um livro receberia. Posso afirmar que nesse aspecto acertaram em cheio, e de fato é um texto memorável.

Críticas? É dificil, mas tem algumas pequenas coisas, meio inconstantes. O livro mostra um futuro bem fantasioso, a cara do futuro que imaginamos durante muito tempo, mas me parece uma visão ultrapassada demais até para os anos 80, especialmente nas cenas espaciais. As roupas espalhafatosas são nítida influência dos 80s, mas assim como a lenda foi levada a sério, os aspectos tecnológicos foram ignorados na sua maioria. Ninguém usa capacete no espaço, por exemplo. Parece que o oxigênio deixou de ser uma necessidade, ou mesmo uma atmosfera para proteger da radiação solar. Para se situar, nos anos 80 não existia internet, nem celular, nem muitas das coisas que hoje fazem nosso dia-a-dia; por isso, aceitamos na boa que na visão futurista do gibi os comunicadores sejam caixas quadradas com antena, e a maior parte das conversas à distância sejam em vídeo-telefone. Mas, se o gibi foi escrito e publicado entre 1983 e 1985, ele é posterior a todos os filmes do Star Wars, ou mesmo posterior ao fantástico seriado Cosmos de Carl Sagan de 1980. Acho que poderiam ter dado à vida no espaço o mesmo respeito que deram à lenda arturiana, e nisso ficou um tanto aquém. 

No resumo, vale a pena ler cada página, se encantar com a arte dos ilustradores e com uma das histórias mais piradas que já li no contexto do Arthur. Ok, tem os filmes cretinos baseados na novela do Mark Twain, "A Connecticut Yankee in King Arthur's Court". A diferença é que desta vez, o gibi é para ser levado a sério em vez do livro...

Boa leitura! Até o próximo post!

2 comentários:

Renata disse...

Bom saber que o gibi foi uma boa experiência!
Eu não sei qual foi a abrangência dessa publicação na época, mas acredito que se tivesse sido bem popular essa história da homossexualidade teria feito bastante barulho, não? Se até hoje esse assunto ainda não é encarado com naturalidade pela maioria das pessoas.
Beijos!

Wally disse...

Rê, o gibi é ao mesmo tempo uma arte e uma curiosidade. Os desenhos são produto de mãos muito talentosas, enquanto o roteiro soube dosar o respeito pela lenda enquanto apelou para todas as viagens típicas de HQ. Me lembra de te mostrar o livro quando forem vir!

Obrigado pelo comentário!