Nas Terras do Rei Arthur - Parte 7

Este post é continuação de um post anterior, portanto, se você não viu o que está rolando, veja o post anterior neste link.

Hoje admito que vou tapear um pouco com o post. Embora o post seja sobre minhas aventuras nas terras do Arthur, o assunto não será arturiano, ou ao menos não intencionalmente.

Hoje quero contar para vocês sobre minha visita ao British Museum em Londres.


Passeando na História

Ouvi muito sobre o Museu Britânico de pessoas que tiveram a oportunidade de visitar, me falando como era grande, bonito, e comentando sempre com entusiasmo sobre a ala egípcia. Posso dizer que depois de fazer minha própria visita, entendo perfeitamente do que estão falando, e faço minha essa empolgação. Não vejo de que forma apenas com meu texto e minhas fotos vou mostrar isso, mas vale como "petisco" para fazer nascer em vocês uma pontinha de curiosidade. Quando surgir a oportunidade ou se o destino levar vocês até Londres, este post vai lembrar vocês sobre um museu fantástico para visitar.
 
Como todos os museus de Londres, o British Museum tem entrada franca (é, cultura é gratis!); fica a poucos quarteirões da estação de Holborn de metrô (tube, ok?); foi nesta estação que desembarquei, voltando de Milton Keynes. Digamos, cheguei pela estação de Euston, fui andando pela rua com mala e tudo até King Cross, larguei a mala no locker (8 libras por 24 horas), e fiquei só com a mochila e a câmera de fotos. Peguei o tube aí mesmo em King Cross até Holborn, e mais uma curta caminhada até o museu. Eu achei que ia me sentir um ET caminhando pela rua com a mala de Euston a King Cross, mas na verdade tinha toda uma galera fazendo isso, tanto em um sentido quanto no outro. O dia estava muito ensolarado, e foi bem gostoso fazer esse trechinho pela superfície. O único risco é atravessar a rua, com o fluxo invertido que sempre confunde para olhar. 

Bom, a questão é que cheguei no museu com tempo suficiente para dar uma volta bem completa (umas 3 horas). O maior problema das pessoas quando viajam é não se planejar; se você pode pesquisar um pouco e se informar antes de viajar, isso te poupa muito tempo. Fiz com o British Museum o mesmo que fiz com o Louvre alguns anos atrás: sabendo o que tem no museu, marquei em um mapinha tudo o que queria ver, as coisas que não podia perder. Com essa lista, fiz um roteiro dentro do museu, sabendo o que ver e onde parar. Assim, com um roteiro planejado, é fácil calcular o tempo, e pouco importa se você tem 30 minutos ou 3 horas; basta acelerar o diminuir o passo e ver mais ou menos coisas, mas nunca vai deixar de ver os objetos que chamam sua atenção.

Entrei no museu, e virei a esquerda, andando rapidamente pela ala mesopotâmica, sem olhar quase nada. Não que não tivesse interesse nesta ala, mas é nesse sentido que fica o banheiro mais perto. Desculpem, necessidades fisiológicas primeiro. 

Depois deste nada charmoso comentário, percorri calmamente o corredor da ala mesopotâmica, que ia me levar diretamente na entrada da ala egípcia do andar térreo.

É incrível mesmo. Mesmo para um leigo no assunto como eu, é fascinante como a exposição é ilustrativa. É fácil perceber as diferentes épocas, reinados ou mesmo a evolução na grafia hieroglífica. Com a passagem dos séculos, os desenhos ficam mais apurados, mais precisos, mais ricos.

Sem dúvida alguma, esta ala ganhou a fama que tem com razões de sobra. A quantidade de peças em exposição e a riqueza histórica guardada em cada uma delas faz desta coleção um tesouro fascinante.


A imagem acima é apenas uma amostra do que encontramos no museu. Boa parte das peças contam com placas descritivas sobre a origem, a época, e detalhes como o propósito ou valor histórico da peça em si. Descobrimos a história da civilização a cada passo.

Sakhmet

Não bastava mostrar as estátuas, os panéis, ou mesmo um escaravelho colossal. O museu ainda guardava algumas surpresas na manga. Como a moça da foto abaixo.

Cleo.


Esta é a múmia e caixão de Cleopatra, filha de Candace, do mausoleu da família Soter, e entrou no museu em 1823 com a coleção de Henry Salt. Sobre as múltiplas camadas de pano, foi pintada a imagem de uma mulher falecida. No caixão tinha também um pente e um colar de sementes, colocado na múmia. Os hieroglífos no caixão dizem que Cleopatra faleceu aos 17 anos, um mês e 25 dias. A múmia foi escaneada com raio-X, e o esqueleto mostra um desenvolvimento bem compatível com essa idade.

O esqueleto parece estar em boas condições, com a cabeça inclinada à frente e a boca aberta. Há pelo menos três pacotes na cavidade direita do peito, provavelmente orgãos preservados. Há um objeto de 9 centímetros do lado esquerdo, provavelmente um pequeno rolo de tecido, ou uma pequena estatueta. O raio-X também mostra os materiais usados para colar a múmia (areia ou lama, provavelmente), o que deixa a múmia com um peso de 75 quilos. Na foto ao lado, os detalhes internos do caixão.

Múmias de pessoas e animais (de gatos a pássaros, macacos, crocodilos e até bois) abundam no museu, assim como objetos pessoais, dispostos nos corredores do primeiro andar dedicado ao Egito. Mas o museu tem outras alas e peças incríveis. Entre elas, a pedra Rosetta, encontrada durante a guerra por soldados e chave para revelar o significado dos hieroglífos.

Esta pedra contem um decreto em três idiomas: grego, egípcio "popular" (usado para mensagens e anotações corriqueiras) e hieroglífos, datado em 27 de Março de 196 a.C. Foi através desta pedra que, por associação e cruzamento entre os idiomas, foi possível desvendar o significado dos hieroglífos, dando uma nova dimensão ao conhecimento sobre a cultura e história dos grandes faraós. Vale dizer que os hieroglífos já tinham mais de 3000 anos de história quando esta pedra foi gravada, e o texto inferior era grego por uma razão simples: na época da inscrição, todos os documentos de governo eram redigidos em grego, já que o Egito estava sob domínio de uma dinastia grega.

Foi engraçado perceber quantas peças do museu aparecem em livros, filmes, seriados ou mesmo videogames. Cada corredor, cada estante revelava uma nova peça histórica que inspirou histórias; especialmente as seções mais antigas, como as peças babilônicas e fenícias tinham toda a cara de fugidas de um filme do Tomb Raider. Tudo à minha volta tinha cara de caçador de tesouros.

Continuei meu passeio, e finalmente cheguei em uma das seções mais esperadas, um tanto negligenciada pela maioria dos visitantes. Notei como as outras pessoas passavam rapidamente por aqui, quase sem tirar fotos. Apenas alguns estudantes, cadernos em mão, anotavam detalhes para seus trabalhos de escola. Estava na seção dos começos da Europa, estava entre os primeiros europeus. Estava entre os celtas.


Pouco sobreviveu deste periodo, embora não tive como evitar um sorriso ao ver os braceletes, pulseiras e colares de ouro maciço, troféus dignos de reis. Tesouros históricos e reais, valendo muito mais do que seu próprio peso em ouro.

Alguns séculos depois de Cristo, os romanos chegaram nas ilhas britânicas, e com Roma vieram as estradas, as armaduras e a escrita. Fiquei fascinado com o monte de pequenas peças, como moedas e distintivos encontrados do periodo romano. Entre esses objetos, o da foto ao lado despertou em mim um sentimento de simpatia: é uma peça onde se lê LEC XX e o desenho de um javali. É o distintivo do vigésimo grupo de legionários romanos, como eram separadas as tropas na época. Impossível não lembrar do Conn Iggulden e seus fantásticos livros sobre a Roma do César.

Pequenas peças como esta somem na grandiosidade de escudos, espadas, panéis de pedra e outros objetos muito mais chamativos, seja pelo tamanho ou pelo brilho do metal. Descobrir estas pequenas pérolas, quase escondidas no meio de tantas outras coisas, tem sem dúvida um gostinho especial. Tem a sensação de descobrí-las pela primeira vez, como se o prazer de encontrar a peça perdida na história fosse um privilégio nosso; como se fosse a gente mesmo que desenterrou a pequena peça de terracota por acaso, e limpou com os dedos entre as letras para descobrir as figuras, se revelando à luz do sol novamente depois de séculos.

Outra coisa fantástica foi encontrar peças  que já apareceram em documentários, como os intrincados enfeites de ouro e pedras do tesouro de Suton Hoo. Foi neste lugar que encontraram um pequeno tesouro, onde a escavação continou encontrando uma ripa de madeira, e depois outra, até revelar que era um barco inteiro repleto de tesouros.


Já no lado mais "moderno" da Europa, encontrei um relicário bem curioso, digno das histórias do arqueiro de Bernard Cornwell. Embora menos bizarro que os relicários que vi na Alemanha, este relicário foi construido para guardar um espinho da coroa de Cristo. Este tipo de relicário era muito comum na Europa, onde surgiam objetos com poderes fantásticos, sempre de origem mais do que duvidosa. O engraçado deste relicário é que foi feito sob encomenda, e o joalheiro fez dois relicários, devolvendo o falso para o dono. Muitos anos depois, o joalheiro confessou a troca, e devolveu o espinho e o relicário original ao dono. É engraçado que pecados como mentira, assassinato, roubo e tantos outros são "omitidos", e os mandamentos convenientemente esquecidos em relação a objetos diretamente relacionados com a religião cristã.
 
Estava terminando meu passeio, perto já da hora do fechamento do museu, e encontrei uns panéis que me emocionaram. Finalmente, encontrei um pedaço de história que tinha aparecido no meu blog; depois de horas no museu, me encontrei com as gravuras que já ilustraram várias vezes os contos mais famosos.


Como não se emocionar ao dar as caras com estes tesouros, com estes pedaços de história latejando, vivos na nossa frente?


Quantos textos já escrevi onde mostrei gravuras medievais com estas? Cada conto do Malory, cada texto do Chrétien de Troyes, Perceval, Gawain e tantos outros...

É com estas imagens que quero encerrar o post, e com este post encerrar minhas histórias em terras arturianas. Está mais do que na hora de voltar com os contos que tantas gerações inspiraram, e que continuam inspirando até hoje. Tem muitos livros novos, muitas novas histórias, coisas maravilhosas aguardando por nós. Quem sabe, em algumas centenas de anos, se fale de estas histórias, e de blogs como o meu.

Para matar a saudade da Inglaterra, seus monumentos e museus, vou deixar mais fotos no Facebook. Quem quiser dar um pulo pelo FB nos próximos dias, vai encontrar muito mais do que estou contando aqui. É Inglaterra, ainda volto pra te visitar de novo.

Até o próximo post!

Nas Terras do Rei Arthur - Parte 6

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Difícil falar depois de passar por Stonehenge, mas já dei um bom tempo com esse post no ar, e está na hora de retornar depois deste hiato (não sabem o que é hiato? Google.).

O onibus estava no mesmo ponto onde desembarcamos, depois de fazer mais uma vez seu percurso circular de uma hora; assim, foi só mostrar o ticket para continuar a viagem. Andamos por estradas muito estreitas, o que ficava ainda mais surpreendente desde um ónibus de dois andares. Cheguei a filmar um pouquinho, para levar comigo uma pequena amostra desse interior da Inglaterra muito mais colorido do que imaginava.



As verdes planícies, as árvores e bosques ao longe, o horizonte. Finalmente, chegamos em Old Sarum, onde para meu espanto desci sozinho. Acho que o vento desanimou as pessoas, ou a curiosidade deles não foi tanta como para visitar o local. Quem sabe, alguns até tenham visitado várias vezes, e não encontraram motivos. O fato é que desci em Old Sarum, e tinha o castelo só para mim.



Old Sarum já foi um grande castelo, erguido sobre um morro, com direito a fosso, ponte levadiça, bandeirinhas, torres e tudo o mais. Era a fundação de Salisbury, situado no local perfeito para se defender. Fiquei olhando por longo tempo as encostas, me perguntando qual seria a visão de dentro do castelo no meio de um ataque, de um sítio. Ao mesmo tempo, depois e já de outro ángulo, olhava para o morro pensando na visão terrível de invadir essa mole.


Essas imagens estão na minha imaginação, porque não sobrou nada do castelo. Nada mesmo.

Old Sarum foi um castelo gigantesco, um verdadeiro monstruo medieval, com paredes impenetráveis, e no local perfeito para ser defendido. Com o tempo, este castelo foi caindo no desuso, e como toda casa que não é usada, começou a ruir. Um dos seus maiores salões desabou, primeiro pelas longarinas do teto, e depois, uma a uma, as paredes mais novas. Este salão atendeu apenas uma festa real, feito para receber os convidados de um grande festim, mas a realidade é que o castelo não era mais usado. Foi abandonado, e anos depois, por decreto do rei, demolido para reaproveitar a pedra em outras construções. Todas as paredes, sem exceção, foram demolidas, virando pedra que hoje dorme em outras paredes. Os pisos, os enfeites, tudo o que podia encontrar uso, foi embora, junto com o que já fora um majestuoso castelo.


Mas isto não é uma visão triste das coisas. É a realidade de um povo que não tinha de onde tirar material para construção, assim como hoje, nas grandes cidades, as casas deixam lugar aos prédios. É a evolução lógica das coisas, e temos que enxergar dessa forma. Não só a Inglaterra, mas toda a Europa abriga muitos castelos ainda, esperando nossa visita.


Por mais pedra que seja necessária e mais vontade que as pessoas tenham colocado em extraí-la, as fundações do castelo resistiram aos esforços e estão hoje à vista, preservadas pelo National Heritage. A história do local é bem antiga: este local foi ocupando na Era de Ferro, no período neolítico, uns 4000 ou 3000 anos a.C., onde foram excavadas as valas gigantescas e levantados os morros. Posteriormente, os romanos ocuparam a região, e com a saída deles, foi a vez dos reis saxônicos fortificarem a região. Por volta de 1069, William o Conquistador (no período normando) herdou o castelo dos saxões, que gostou do local e ordenou a construção de um castelo. Este castelo virou o local de governo normando para todo o condado. Em 1075, a igreja chegou no concenso da construção de uma catedral no local, que ficou no nível externo, entre a primeira e a segunda vala. A catedral foi concluída em 1092, e destruida parcialmente por uma tormenta apenas 5 dias depois. O clima na região era terrível, e assim os bispos pediram autorização ao Papa para retornar à cidade de Salisbury. Com a autorização (em 1219), a catedral de Old Sarum foi abandonada, e com a partida da igreja, o resto foi embora também. A população era cada vez menor, até que finalmente em 1519 o rei Henry VIII ordenou a demolição. O local ficou completamente abandonado, e eventualmente foi redescoberto. 

Assim, o que podemos encontrar em Old Sarum? As fundações de um monstro.

Vista do patio principal. À esquerda, ficava a grande torre, entrando pela escada no meio da foto.
O National Heritage fez um excelente trabalho criando rampas de acesso e colocando placas com informação riquíssima sobre cada local. É com a ajuda dessas placas que, a cada passo, começamos a enxergar o castelo entre as ruínas. Vemos cada parede erguendo na nossa frente, e com ela as cores, e subitamente as pessoas aparecem. Na nossa mente, o castelo é populado, com pessoas carregando coisas, vendendo e comprando na feira no grande pátio. Estendemos a vista pela encosta, e as propriedades pulam na nossa vista, como surgindo de um longo tempo esquecido. Surgem do solo, criando ruelas movimentadas. Piscamos, e tudo some, e estamos sozinhos de novo. Para quem nunca esteve em um sítio arqueológico, é uma experiência inesquecível.

Ovelhas cagonas na encosta
É uma pena que os vídeos que gravei tenham ficado com tanto barulho do vento, ao ponto de não ouvir a minha própria voz. A idéia deste post era um pouco diferente; queria mostrar para vocês como é chegar no local, passando por pequenas portas de madeira que se confundem com propriedade privada, no meio a um monte de ovelhas e suas caquinhas por tudo quanto é grama. É propriedade rural, é a vida como ela é mesmo. O entusiasmo dos vídeos se perdeu no vento, ficando apenas a imagem tremida de uma estrada feita a pé. Mas, ainda temos as fotos! Assim, posso mostrar um pouco de tudo o que contei até agora.

Para dar um pouco as dimensões do local, vejam só as dimensões da vala interior. Essa foto mostra não apenas a capacidade de abrir buracos no neolítico, mas também como uma árvore pode ser experta. Depois vou tocar nesse assunto das árvores expertas de novo.Talvez onde eu estou não dá para perceber exatamente o tamanho da vala, mas cabe dizer que essa árvore deve ter uns 20 metros de altura. Olhando desde onde eu estava, a vala descia práticamente meio quarteirão até o fundo.

Esta foto ilustra as fundações da catedral, olhando desde o castelo, próximo à torre principal. Depois, andei por fora do castelo, olhando o local mais de perto.


Neste ponto, as placas de orientação são cruciais, para entendermos o que estamos olhando. Vejam só como é gráfico, uma vez que descobrimos o que estamos olhando:




Nada como uma explicação. Simplesmente, as colunas, o teto, as abóvedas, os arcos e repentinamente as pessoas começam a aparecer na nossa imaginação. Piscamos, e voltamos ao nosso tempo. 

Enquanto caminhava para ir embora, me encontrei com as árvores que aparecem no fundo da foto acima, e depois com outra árvore na entrada e Old Sarum.

Podem clicar nas fotos para ver maior, e honestamente, não sei se era o vento, o tamanho, a forma, ou apenas o fato de estar lá, mas acho que não eram apenas árvores. Antes que esses Ents decidissem acordar na minha frente, foi embora, assobiando baixinho. Provavelmente, a árvore da encosta estava ou subindo, ou descendo... 
Embarquei no bus, voltei para a estação, e deixei na minha lista a missão de voltar com tempo de visitar a catedral de Salisbury, junto com as ruas antigas de uma cidade que tem muito para contar. Peguei o trem de volta, escrevi um pouco, e dormi plácida e merecidamente, com a sensação de missão cumprida.

No próximo post, vou me obrigar a contar sobre o British Museum, e com isso encerro minhas aventuras nas lendárias terras do Arthur. Afinal, tenho que voltar ao padrão do blog e trazer algumas lendas até aqui, não acham?

Até o próximo post!

Nas Terras do Rei Arthur - Parte 5

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Viajar de ônibus foi repetir a experiência de me maravilhar com o interior da Inglaterra. As plantações, as árvores, os bosques. Verdes e marrons diferentes, brilhantes mesmo sob as nuvens de um dia que ameaçava fechar. Mas, o tempo ficou firme, e em alguns momentos o sol aparecia para esquentar e iluminar mais ainda a paisagem, deixando esses novos horizontes com um visual maravilhoso. Andamos um pouco pela estrada, e chegamos em Old Sarum (a velha Salisbury).


Nesta paisagem, podem notar um montículo plano, gigantesco. Ao olhar a paisagem em volta, práticamente plana, fica evidente que alguém mexeu neste terreno para criar esse pico e construir no seu topo. Neste sitio ficava um grande castelo, majestuoso, que com o tempo caiu em desuso, foi ruindo e posteriormente destruido para aproveitar o material para construção. Apenas alguns vestígios sobraram para identificar os salões e torres; restou para nossa geração as fundações do castelo e alguns degraus das escadas. Ainda assim, é um lugar incrível para visitar, para quem sente curiosidade ou mesmo paixão pela história. É a oportunidade de se sentir em um verdadeiro sitio arqueologico.

Não me detive em Old Sarum, já que era o plano para a viagem de volta. Stonehenge me esperava. Na medida que a estrada avança, a ansiedade aumenta. Cresce dentro da gente, e aos poucos o resto das pessoas a nossa volta, e mesmo o ônibus onde estava acabam sumindo. É só você, e a paisagem. Alguns montículos de terra aparecem à distância, revelando que estamos perto. Esses montículos, encontrados por todo o interior, são os restos mortais de pessoas importantes ou ricas que se foram há milhares de anos. São montículos funerários, onde as pessoas eram enterradas junto a alguns pertences, que provavelmente iriam com eles para o outro mundo. Com o tempo, estes montículos evoluíram em pequenas construções de pedra abovedadas sob o solo, e mais tarde ainda nos mausoléus que conhecemos hoje. 

Finalmente, no horizonte, aparece o círculo de pedras. E não vi mais nada em volta. Ao longe, à direita da foto.


No local há um estacionamento para ônibus e carros particulares; o ônibus nos deixou lá, Por volta das 14:40. A cada hora, o ônibus estaria lá de novo para seguir sua rota. Posso dizer que uma hora é o tempo exato para ficar em Stonehenge.É o tempo certo para visitar, olhar, admirar, tirar fotos, ouvir o guia de áudio, e ainda comprar algumas coisinhas na loja. Quem sabe, na minha próxima visita, fique mais tempo para poder escrever diretamente de lá, no meio desse áura diferente que emana do local.

Desci do ônibus, me informei sobre a volta, e desci pela rampa até a entrada. Passei a catraca, me ofereceram o guia de áudio (incluso no ingresso), e segui por outra rampa que passa pela lateral da lojinha. Neste ponto, não dá para ver nada ainda; é como um túnel, que serve até para criar o clima antes do primeiro contato. As paredes do túnel mostram ilustrações da construção de Stonehenge; homens puxando grossas cordas, arrastando as pedras sobre um trenô. Subo os últimos degraus, e no fim de uma curta caminhada, rodeada de visitantes, está Stonehenge. Cheguei.


Fui andando devagar, parando em todos os pontos onde uma plaquinha com um número indicava uma mensagem no guia de áudio. Ouvi os textos, absorvendo quanta informação podia a cada instante. Tudo o que estudei, tudo o que aprendi sobre Stonehenge estava lá.

Antes do cículo de pedras, existiram outros círculos no local; primeiro uma vala circular, depois um círculo de troncos de árvore, e mais tarde um pequeno círculo de pedras, que finalmente foi substituido por Stonehenge. Chegando mais perto do círculo, percebo uma ondulação no terreno. Olho nas laterais da ondulação, e acompanho com a vista a vala onde estava em pé, circundando as pedras. Achei o primeiro círculo.


Chego ainda mais perto do círculo, e a minha admiração cresce ainda mais. A primeira vista, Stonehenge me pareceu menor do que imaginava, mas lentamente foi crescendo. Há alguma coisa muito estranha, muito diferente nesse local; é uma sensação indescritível. Enquanto escrevo, a lembrança me arrepia. Lentamente, o círculo revela sua grandiosidade, e quando queremos perceber, já estamos encantados.


 Um vento constante e violento batia sobre o local. Pensei no clima, nos milênios de ventos ainda mais fortes do que estava nesse momento, chuva, neve e degelo batendo no monumento. E estava lá, boa parte dele ainda em pé. Arquitetônicamente, Stonehenge é uma referência. Nele foram aplicadas técnicas de modelagem de madeira, onde as pedras verticais foram lixadas até ficarem lisas, e levemente mais finas no topo de cada coluna para dar a ilusão ótica de que são retas e paralelas para quem está dentro do círculo. Cada pedra foi colocada no local fazendo um buraco, arrastando a pedra até cair neste buraco, finalmente erguendo a pedra com cordas e preenchendo o buraco até imobilizar a pedra no lugar. Para subir os dintéis, arrastaram as pedras em curtos trajetos de ida e volta, colocando peso nas pontas e preenchendo o meio, fazendo uma gangorra onde o meio era cada vez mais alto. Ainda no topo de cada coluna modelaram pinos na pedra, que encaixavam em buracos excavados nos dintéis para alinhar e fixar os mesmos no topo. Os dintéis tinham suas laterais lixadas para ficarem menores no interior do círculo, e assim encaixar sem folga umas nas outras, fixando ainda mais a estrutura. Na foto abaixo aparece bem nítido um dos pinos no topo da coluna sem dintel.



Stonehenge era uma estrutura bem complexa. Dez grandes colunas formavam cinco dintéis independentes, circundando uma pedra deitada. Em volta destas colunas mais altas, pequenas pedras formavam mais um círculo (na foto acima, ao meio, um pouco a direita, apoiada na pedra central). Finalmente, o círculo de pedras fechado com dintéis no topo. Fora do círculo, quatro grandes pedras (das quais hoje sobraram somente duas) provavelmente serviram como guia durante a construção, garantindo que o corredor de entrada e o centro ficassem alinhados com os soltícios do verão e do inverno. Na foto abaixo, o corredor que levava ao círculo de pedras.


A cada excavação, novas descobertas aparecem. Detalhes sobre a estrutura, novos círculos, materiais, vestígios de outras excavações da época da construção de Stonehenge. As maiores pedras foram trazidas de muito longe, e é dificílimo imaginar como foi transportar essas pedras por terrenos sem estradas, apenas com o esforço de pessoas e animais. Stonehenge passou por várias fases: na primeira delas, era somente um barranco com a vala em volta, e buracos formando um círculo. A segunda fase é onde entraram as "bluestones", transportadas por quase 400 km desde o País de Gales, pesando por volta de quatro toneladas cada uma. Na terceira fase formou-se o "henge", transportando pedras de aproximadamente 50 toneladas por 40 km. Enquanto as pedras da segunda fase foram transportadas usando balsas, as pedras da terceira fase eram pesadas demais para qualquer balsa, e foram arrastadas com trenôs e cordas. Fazendo algumas contas, precisariam mais de 400 homens para puxar as pedras, e mais 100 homens só para mover os troncos do trenô. Na quarta e última fase, as bluestones da segunda fase foram removidas, e colocadas na posição que permanecem até hoje.




Stonehenge ficou abandonado durante muito tempo. Seu status de patrimônio histórico é recente, e hoje é responsabilidade do National Heritage cuidar deste patrimônio. No periodo medieval, os reis autorizaram as pessoas a pegar pedras de Stonehenge e usá-las em outras construções. Nos começos do século passado, era possível alugar um martelo nas fazendas próximas para quebrar as pedras e levar um pedaço como "lembrancinha". Mesmo com toda a depredação Stonehenge sobrevive, e continuará nos intrigando por gerações. É muito pouco o que sabemos do local, e sem registros históricos escritos, somente podemos adivinhar os propósitos deste monumento. É um mistério sem solução, e como tal, abre a imaginação para o que quisermos pensar. Stonehenge tem um propósito diferente para cada um de nós, um encanto particular e único.

Próximo post: Old Sarum.