Este é o primeiro post do desafío "Pega teu teclado e escreve, pô!"
Por razões que nunca vamos entender completamente, na escola passamos por alguns períodos traumáticos de leitura de poemas e/ou poesias intermináveis. Nessa época, quase tudo o que cai nas nossas mãos tem o objetivo de nos ilustrar sobre a riqueza do nosso idioma nativo, da nossa língua mãe, por assim dizer. No caso do Espanhol, todos os que passaram pela escola tiveram sua chance de mergulhar (geralmente sem snorkel nem tanque de oxigênio) no épico "Martín Fierro", que conta as aventuras e principalmente desventuras de um gaúcho nos difíceis tempos da conquista. Perseguido tanto pelos índios quanto pelo exército, o gaúcho era a genuína fronteira entre a civilização e a barbárie. Era o limite mínimo da vida em sociedade, oscilando entre a gentileza e a selvageria, como uma amalgama, ou uma liga das duas coisas.
Tá, o livro é legal, eu admito. Mas na adolescencia é quase crueldade fazer alguém ler o Martín Fierro.
Para citar realmente um exemplo que me dá calafrios até hoje, tenho que admitir que odeio Gabriel García Marquez. Os livros dele são intragáveis para meu paladar, e falo isso depois de ter lido até o fim "Cien Años de Soledad" e o "Relato de un náufrago". Em bom portenho, "me morí de embole". A definição de embole é bem parecida com o sentimento expressado pela simpática moça do quadro abaixo.
Embole. |
Assim, percebo que com outros idiomas não é diferente. Ouvi vários comentários bem desanimados como este aqui:
"Eu tinha que ler Machado de Assis, é incomprensível.. Pedem para a gente ler os livros dele, falando que nossa língua é a tal língua de Camões, mas o que esse cara escrevia é arcaico... fala sério.."
Pois é. Tentem ler o Quixote no original, e estamos no mesmo barco. Aí fico imaginando as criancinhas alemãs lendo Goethe. Mein Gott.
Mas, e o Inglês? O que eles lêem além do Shakespeare?
Eis que entre uma pesquisa e outra, descobri que usam o poema da Senhora de Shalott como parte das leituras obrigatórias. Para quem leu ou ainda vai ler o livro Avalon High, posso dizer sem spoilers que este poema rege o curso do livro, e um trecho do mesmo aparece no começo de cada capítulo.
Este belo poema (belo porque não sou um adolescente que tem que estudar a força) foi inspirado na história de Elaine de Astolat, personagem fantástico que aparece no Le Mort d'Arthur de Malory. Ainda vou falar da Elaine e seu papel na lenda, mas comecemos pelo poema para não perder o foco.
O autor deste poema foi lorde Alfred Tennyson, nascido em 1809 e viveu surpreendentes 83 anos, praticamente a vida inteira dedicando-se à poesia durante o reinado da rainha Vitoria, e detém até hoje o título de um dos autores mais populares de poesias na língua inglesa.
Devemos ao lorde Tennyson algumas frases que estão em uso até hoje, ao ponto que trascenderam para outras línguas. Sabem aquele ditado, "É melhor ter amado e perdido, do que nunca ter amado"? É dele. Tennyson e o quinto autor mais citado no dicionario Oxford de citações (embora eu não fiquei contando para comparar).
Sobre o poema, a trama basicamente é assim: a Senhora de Shalott é um ser mágico, que vive sozinha em uma ilha rio acima de Camelot. Seu trabalho consiste em olhar tudo o que acontece fora do seu castelo através de um espelho; ela nunca, mas nunca deve olhar diretamente para fora da janela. Por sinal, como isso era muito fácil, ela tinha que tricotar (ou bordar) tudo o que enxergava pelo espelho em um tapete.
Mesmo assim, ela parece feliz com sua vidinha invertida pelo espelho, já que segundo o poema, os camponeses a escutam cantar. Eles sabem que é ela, mas nunca a viram de fato.
Assim, a senhora de Shalott vê e borda gente comum, alguns jovens casais, e cavaleiros de armadura, tudo pelo espelho. Até que um belo dia, no reflexo ela vê Sir Lancelot, cavalgando sozinho. Embora ela sabe que é proibido, ela vira para a janela, e olha para Sir Lancelot. O espelho trinca e quebra em pedaços, e o tapete que ela costurava sai voando pela janela com o vento, e assim a Senhora de Shalott sela seu destino e sente o peso da maldição. Para variar, tinha que ser o babaca do Lancelot para estragar a vida dos outros. Isso é opinião minha, não do poema.
Uma tormenta de outono aparece sem aviso; a Senhora de Shalott sai do seu castelo, acha um pequeno barco, escreve seu nome nele, entra no barquinho, o empurra para flutuar e entrar no curso do rio, e canta sua canção de morte enquanto o rio a leva abaixo, até Camelot. As pessoas encontram o barco e o corpo, se mancam quem é, e a tristeza toma conta deles e Lancelot pede a Deus que tenha misericórdia da sua alma (da dela, não da dele, ok?).
Fim. É, isso mesmo. Bem medieval. Morreu, acabou, não tem chorinho não.Eu acho que morreu por muito pouco, considerando otras histórias como a da princesa tarada, que angariou uma legião de fãs aqui no blog.
Para não terminar assim, digamos, brutalmente, me permito fazer um comentário nem tão pertinente, mas é uma das coisas que descobri pesquisando. Teve uma irmandade fundada em 1848 chamada "Os Pre-Rafaelitas", composta por artistas que rejeitavam o estilo introduzido no renascimento por artistas como Raffaelo e Michelangelo. Para eles, estas influências "atrapalhavam" o ensino da "verdadeira arte". Vai saber as razões que tinham para isso, mas os pre-rafaelitas curtiam a história da Senhora de Astolat, e produziram algumas pinturas inspiradas na história, como a que ilustra este post (obra de John William Waterhouse).
Bom, por hoje é só... afinal, esta semana promete! Qual será o post de amanhã? Hein? HEIN?
Aliás, hoje estou dando uma de Paulo Coelho. Nada de passar corretor ortográfico, vai assim mesmo!
Até o próximo post! O desafio está em pé!