Se fosse preguiçoso e cara de pau, podia pegar o que consta no wikipedia, copiar aqui e dizer pronto, o post está feito, mas aí qual seria a graça? O que aprendi no final? Vou levar cada um de vocês por uma pesquisa, e contar umas coisas das quais nunca tinha ouvido.
Aos que acompanham meu blog e o da Marion, sabem que estou lendo o Brumas no momento, e foi este livro que me trouxe a curiosidade pelo assunto das ilhas. Vou colocar o trechinho que me chamou a atenção. Igraine, esposa de Gorlois, tem um sonho curioso, estranho e molhado com outro homem, o Uther. Todos sabemos que na lenda arturiana, Uther fica com Igraine, união da qual nasce Arthur. Mas vamos voltar ao sonho de Igraine. Ela sonha com uma terra distante, ela vestindo como sacerdotisa, e Uther no sonho do lado dela, como sacerdote. Eis um trecho do dialogo entre eles:
Lyonesse? Mu? Hy-Brasil? Epa epa, tem muita coisa nova aqui... Nada que um google esperto não consiga achar. Mas me enganei, em parte. Um comentário um pouco fora do tom antes de continuar: o Dark Age of Camelot tem terras com estes nomes, onde já joguei várias vezes. Cada vez que descubro alguma coisa assim fico encantado com o cuidado dos editores do jogo em transpor com tanto cuidado detalhes tão obscuros. Realmente referenciam as lendas antigas no jogo...
Hy-Braaasiiiillll, lará lará lará laraaaaááá...As antigas lendas celtas remetem a existência de uma ilha, chamada de Hy-Brasil, e que seria o correspondente ao paraíso. Esta ilha estaria oculta à vista dos homens, e apenas os escolhidos poderiam encontrá-la. Esta ilha foi reportada várias vezes em mapas reais, em lugares diferentes, até o século 18. A partir daí a cartografia evoluiu ao ponto de transformar a ilha em lenda de vez, e sumir literalmente do mapa.
Para minha surpresa, tanto se fala em ilhas que na verdade tudo acaba caindo na mesma visão, e somente muda a interpretação conforme quem conta a história; ao me remontar a textos mais antigos, encontrei que na verdade Avalon, a terra das fadas na lenda celta, virou a ilha das sacerdotisas e os druidas, mais em contato com a natureza (o que faz todo sentido, e deu o nome à fada Morgana).
Esta mesma Avalon, não seria outra ilha que a mencionada em culturas anteriores com outros nomes; afinal, parece que Avalon é na verdade Hy-Brasil, e antes disso a própria Atlântida.
A arte de buscar referências cruzadas via nomes me levou até dois livros praticamente opostos. O primeiro deles, com o singelo nome de "Atlantis, Alien Visitation, and Genetic Manipulation" (Michael Tsarion, 2002) é uma viagem ao começo dos tempos onde os alienígenas (pasmem) habitavam nosso planeta, que tinha outros continentes e depois de cataclismas e outras coisas afins e convenientes fizeram que a Atlântida sumisse e com ela o povo-serpente, o que fez os oceanos mudarem de lugar e encher a bacia do mediterrâneo (WHAT???). Bom, se menciono este "curioso" livro é apenas pelo fato de contar algumas referências nas lendas antigas sobre ilhas além do mar, que não existiriam mais. Ah, se tivesse tido internet na época, né?
O segundo livro é de respeito, e não consegui desgrudar dele, mesmo lendo em pdf. Este livro tem por nome "The Fairy-Faith in Celtic Countries" (W.Y.Evans Wentz, 1911) e pelo ano do livro este autor não tinha internet. Ele fez um trabalho excepcional de pesquisa, e fico até com vergonha de usar um trabalho tão minucioso como referência, sem poder trabalhar no mesmo nível. Todo o texto consta com as referências da origem das afirmações, e cada uma mais original do que a outra, como por exemplo "folio 15, manuscrito sem título sobre God Midir, biblioteca nacional da Irlanda". Não tem comparação, mas ao mesmo tempo agradeço viver nos dias de hoje onde é possível pesquisar em sites como o scribd.
O velho, velho, veeeelho ArthurIsto caberia em outro post, é sério. A lenda celta é conhecida por ser a origem ou inspiração das lendas arturianas, onde muitas vezes o heróico Arthur se inspira nas memórias contadas de Cuchulainn, Deus celta encarnado.
Sim, sei que parece viagem, mas vou me esforçar por passar a idéia.
A lenda arturiana tem suas primeiras aparições em livros considerados a matéria da Bretanha, tais como o Historia Britonum de Nennius por volta do ano 800, ou posteriormente o Historia Regum Britanniae de Geoffrey de Monmouth de 1136. Mas, acontece que estas aparições não falam de um "outro" Arthur, ao menos não diretamente.
Existe uma analogia constante nas lendas arturianas e especialemente na figura mítica do Arthur, onde os Bretões enxergaram poderes praticamente divinos, tornando-o uma deidade. Posteriormente veio a visão do Arthur como um rei humano, ou talvez humanizado, como se fosse um semi-deus, que veio para instruir seus coterrâneos e liderá-los. Tanto é assim, que como em tantas outras culturas, os seguidores de Arthur não eram outros que os cavaleiros da Távola Redonda... Começa a fazer sentido? Continuo.
Os herois celtas não eram outra coisa que deuses encarnados, cujo objetivo era exatamente instruir e orientar os membros da sua raça no plano terreno; isto é válido também em outras culturas antigas. O Cuchulainn dos celtas não é diferente do Osiris dos egipcios, e até deste lado do oceano encontramos deuses feito homens para liderar o povo nas culturas azteca e peruana.
Querem mais comparações?
Ai meus deuses...Arthur nasceu da intervenção "divina" de Merlim, para que Uther e Igraine se encontrarem. Foi um nascimento abençoado pelos deuses, até porque Igraine vinha de Avalon, o que vamos entender a partir de agora como a terra dos deuses, ou o Paraíso em uma cultura mais tradicional.
A própria Guinevere aparece na lenda com o nome original de Gwenhwyvar, que se formos decompor surgem duas palavras: Gwenn, a palavra bretã para "branco", e hwyvar, que embora não seja conhecida no dialeto bretão tem conexão direta com a palavra irlandesa "siabhradh", que quer dizer fada, ou fantasma, nas variantes siabhra, siabrae e siabur. Traduzindo, nossa conhecida Guinevere se revela a fada branca, o que fecha a conexão com o mundo dos deuses.
Quem lembra da história do cavaleiro da
charrete? Então, mais uma conexão interessante. Guinevere foi sequestrada por Meleagant, e levada para uma terra distante, que como diz o texto "onde nenhum dos que entrava poderia sair". Curiosamente, a tradição irlandesa (celta) tem uma historia muuuuito parecida onde uma tal de fada branca é levada para o Hades (a terra dos mortos, o inferno, etc..), onde esta fada tinha o nome de Etain e seu esposo do outro mundo era Midir. Voltando às comparações, em ambas as histórias aparecem pontes para separar as terras. No romance de Chrétien, eram a ponte sob as águas (usada por Gawain) e a ponte da espada, usada por Lancelot. No Tylwyth Teg, as pontes separavam o mundo conhecido do desconhecido (neste caso o outro mundo), e surge assim nossa analogia. Uma nota curiosa nesse sentido é que muitas religiões acreditam na idéia de definir a passagem entre a vida e a morte como a passagem por uma ponte estreita, inclusive no Alcorão temos a menção de uma ponte fina como um fio de cabelo, e comparando mais uma vez é o equivalente à ponte da espada, uma ponte perigosa fina como o gume de uma espada e longa como duas lanças.
Como se isso não bastasse, quem resgata a rainha Guinevere é Lancelot, e convenhamos, quem seria mais idôneo do que ele? Essa idoneidade surge do fato que quando ainda era um bebê, Lancelot foi adotado por Vivian, e criado como filho próprio. Vivian, não é outra que a Senhora do Lago, o que fez dessa criança o Lancelot do Lago (Lancelot do Lac). Se lembramos agora que Avalon ficava oculta nas brumas, e o reino de Avalon era regido por Vivian, encontramos a conexão que faltava; Lancelot, criado em Avalon, rodeado das fadas da ilha, e com liberdade para entrar e sair de Avalon a qualquer momento, conhecendo o caminho que separa Avalon do mundo conhecido; era ele o único mortal capaz de entrar e sair do paraíso, e o único que poderia resgatar Guinevere do Hades, da terra que ninguém volta, e trazé-la de novo para a terra dos mortais.
A última comparação acontece no episódio final, na batalha de monte Baddon, onde Arthur é ferido mortalmente por Mordred. Arthur entrega sua espada, que é devolvida para a dama das águas, que não é outra que a dama do lago. Na cultura celta, as armas são devolvidas aos deuses em sinal de oferenda ao lançá-las na bacia dos lagos, para que os deuses possam recolhé-las no outro mundo. Feito isso, Arthur é levado para uma barca, onde navega para Avalon (o paraíso?) acompanhado da sua meia-irmã Morgana, a fada, encerrando o ciclo com seu reencontro com o mundo divino, que começou na sua concepção.
Heavy stuff...